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Depardieu com sobriedade clássica

Maigret e a Rapariga Morta, de Patrice Leconte, marca o regresso da mais popular personagem criada pelo escritor Georges Simenon. Gérard Depardieu é discretamente admirável na pele do famoso detetive.


De Pierre Renoir a Michael Gambon, passando por Jean Gabin, Charles Laughton e até o improvável Rowan Atkinson, vários atores franceses e britânicos ajudaram a fixar no ecrã a imagem do Comissário Jules Maigret, criação maior do escritor belga Georges Simenon. Agora há outro. E não é apenas "mais um". A saber, o Maigret de Gérard Depardieu não vem competir com os quadros de suspense dos seus antecessores, nem o filme de Patrice Leconte se presta a isso. Trabalha antes o simbolismo de uma silhueta volumosa e cansada, minimal e clássica, que encerra um belíssimo estudo de personagem. Desengane-se por isso, e desde já, quem espera deste
 Maigret e a Rapariga Morta uma adaptação fiel do 45.º romance policial da série de Simenon. Depardieu, de chapéu e cachimbo vazio, é aqui um espetáculo silencioso de melancolia arrastada.

Precisamente, o filme tem uma cena inicial no consultório do médico de Maigret que lança o tom crepuscular do retrato. Ele queixa-se de fadiga e falta de apetite, o doutor aconselha-o a aposentar-se mais cedo, mas o único verdadeiro sacrifício que lhe é pedido tem que ver com um dos principais adereços da figura: o cachimbo. O ilustre detetive vê-se obrigado a deixar de fumar, embora não deixe de trazer sempre consigo esse cachimbo vazio que prolonga os seus pensamentos...

Leconte, que já adaptara outro livro de Simenon em Monsieur Hire (1989), não está muito interessado nos aspetos da ação thrillesca. A sua versão de Maigret e a Rapariga Morta é pouco elaborada, económica e suavemente lenta. Prende-se ao labor da atmosfera (algo que também é muito Simenon) e, sobretudo, à contemplação de uma personagem envelhecida, cujo caso em mãos renova nuances de tristeza.

A jovem morta do título funciona então como um fantasma que se cola à pele de Maigret. Encontrada numa praça de Paris, com vários golpes e sem identificação, o vestido caro, ensaguentado, que lhe cobre o corpo é a única pista que permite iniciar a investigação. Uma investigação ao estilo deste comissário, bem entendido, com diferentes personagens a ilustrar o método que o distingue de Poirots e Sherlocks: meter-se na vida das pessoas, sem julgamentos, só com perguntas, genuíno interesse humano e observação. É por aí que o Maigret de Depardieu resvala para uma introspeção subtil, encontrando, com o seu poder de observação, outra jovem que se aproxima do perfil da rapariga morta, e que contém a miséria dessa Paris dos anos 1950, classista e atrativa para as raparigas da província.

Entre as pequenas maravilhas do filme, deparamos também com a última aparição do ator André Wilms, falecido no último ano. E que bonita é essa cena de quase monólogo, ao lado de um Depardieu de olhar compreensivo, com um jeito antiquado que diz muito sobre a própria abordagem de Patrice Leconte. A verdade é que Maigret e a Rapariga Morta extrai as suas emoções de um gosto assumido pela psicologia artesanal, com um sentido de gravidade melancólica que nunca cede aos apetites do policial movimentado. Não há cá pitoresco ou ganga narrativa, é a silhueta de um homem que fica connosco.


por Inês N. Lourenço in Diário de Notícias | 5 de janeiro de 2023
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias
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