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Celebrar o conto na Casa da América Latina

Quantas palavras são necessárias para contar uma história? O conto enquanto género narrativo será o protagonista do Festival que começa esta sexta-feira na Casa da América Latina, em Lisboa.

Gabriel García Márquez, um dos grandes escritores latino-americanos que mais contos publicou.© Arquivo DN


Os primeiros meninos que viram o volume escuro e silencioso que se aproximava pelo mar imaginaram que era um barco inimigo. Depois viram que não trazia bandeiras nem mastreação, e pensaram que fosse uma baleia. Quando, porém, encalhou na praia, tiraram-lhe os matos de sargaços, os filamentos de medusas e os restos de cardumes e naufrágios que trazia por cima, e só então descobriram que era um afogado." Assim começa o conto de Gabriel García Márquez, O Afogado mais Bonito do Mundo, um dos muitos que o escritor colombiano escreveu e publicou ao longo de uma carreira literária que lhe valeu o Nobel em 1982. Como ele, muitos outros autores da América Latina se dedicaram a este género e formato literário sem receio de que alguém os julgasse de pouco fôlego. Entre eles, Clarice Lispector, Julio Cortázar, Adolfo Bioy Casares, Juan Rulfo e - last but not the least - Jorge Luis Borges.

Para celebrar esta tradição, a Casa da América Latina, em Lisboa, inicia hoje o Festival "Puro Conto", que se prolonga até 22 de outubro. Para Bruno Vieira Amaral, um dos escritores que participam no evento (autor do livro Uma Ida ao Motel, que reúne contos originalmente publicados no Expresso online): "O tema é interessante quer de um ponto de vista editorial (é velha a discussão sobre a "vendabilidade" dos contos) quer estritamente literário, já que coloca questões como estas: Quais as possibilidades que o conto oferece a um escritor que outras formas literárias não oferecem, existirão regras para a escrita do conto ou é um campo tão aberto quanto o do romance? Eu tendo a acreditar que o conto, que talvez seja preferível designar por ficção breve, não tem de seguir necessariamente um modelo tchekoviano, é muito mais aberto do que a ideia de conto enquanto uma pequena história." E refere dois exemplos dessas possibilidades literárias: "Basta ver a forma como duas autoras como a Alice Munro e a Lydia Davis trabalham o conto para perceber que as possibilidades são muito variadas."

A programação abre esta sexta-feira, às 18.30, quando subirem ao palco os músicos Martin Sued e o ator Chico Díaz para interpretar a obra de Julio Cortázar, Historias de Cronopios y de Famas (1962). No sábado, às 16.00, será a vez da portuguesa Cláudia Lucas Chéu e da brasileira Nara Vidal debaterem o tema "Cartografias do feminismo - Representação do universo feminino e presença das contistas no panorama literário", em que o foco estará no modo como o universo secreto e duro (e frequentemente violento) das mulheres nestes países se expressa também no conto. Haverá leituras encenadas de trechos de contos das autoras convidadas e partilha de histórias e memórias num encontro de café aberto ao público.

A 19 de outubro, às 18.00, serão as Viagens da Literatura que estarão em discussão, num colóquio que reunirá Pedro Crenes Castro (Panamá); Victor Hugo Pérez Gallo (Cuba); Duarte Pereira e Rosa Azevedo (Portugal) e Mempo Giardinelli (Argentina). No sábado, 22, às 16.00, Carla Bessa (Brasil), Karla Suarez (Cuba) e Bruno Vieira Amaral (Portugal) debaterão o tema "Viagens da palavra: edição e tradução", sob a moderação de Isabel Araújo Branco.

Ao longo de todo o festival realizar-se-ão ainda "Leituras Encenadas", do escritor hondurenho, naturalizado guatemalteco, Augusto Monterroso (1921-2003), considerado um dos mestres do género narrativo mais breve de todos: o microconto. Em menos de sete frases, Monterroso contava uma história por inteiro, condensando o poder narrativo e simbólico, o humor, a ironia, a sátira, comovendo e divertindo quem o lia. O seu microconto mais conhecido (intitulado O Dinossauro) tem só sete palavras e já inspirou várias dissertações de doutoramento. Denso e desafiante na sua concisão, Monterroso tinha, no entanto, uma relação ambígua com esse registo, como ele próprio admitia: "Com frequência escuto elogiar a brevidade e, provisoriamente, eu mesmo me sinto feliz quando ouço repetir que o bom, se breve, é duas vezes bom. Contudo, numa das suas sátiras Horácio pergunta-se ou finge que pergunta a Mecenas por que ninguém está satisfeito com a própria condição e o mercador inveja o soldado e o soldado, o mercador. Lembram, não lembram?"

Questões como estas podem ser debatidas pelo público, já que a sua participação é um dos grandes objetivos deste festival. Por isso, este sábado e no seguinte, às 11.00, a brasileira Nara Vidal coordenará uma oficina de escrita de contos e microcontos destinado a quem nela queira participar. A Casa da América Latina em Lisboa fica na Avenida da Índia, 110.


por Maria João Martins in Diário de Notícias | 14 de outubro de 2022
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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