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Chapéus há muitos e espelhos também: agosto na Cinemateca
Pelo segundo ano consecutivo, a Cinemateca abre portas em agosto - o mês em que tradicionalmente encerrava. São dois os ciclos temáticos que nos próximos dias vão fazer as delícias dos cinéfilos, entre a sala e a esplanada.
"De se tirar o chapéu" e "Do outro lado do espelho". É por estes motes que a Cinemateca portuguesa, em Lisboa, orienta a programação do mês que vai entrar. Dois motivos - chapéus e espelhos - que se distribuem por dois grandes ciclos repletos de clássicos absolutos, com algumas raridades pelo meio. Vejamos, quem é que se lembra de A Louca de Chaillot (1969), o filme do inglês Brian Forbes, com uma excêntrica e madura Katharine Hepburn na pele de uma condessa francesa cuja imagem se define por avantajados chapéus com penas e ornamentos florais? Este tem a sua primeiríssima exibição na casa, mais concretamente na esplanada da Cinemateca, no próximo dia 26 (21h45).
Apenas um exemplo de como o adereço do chapéu pode fixar a impressão de um filme. Algo semelhante acontece com Raposa Matreira, de William Wyler (dia 30, 21h45, esplanada), através daquele chapéu que a maldosa sulista de Bette Davis usa, e sobretudo com My Fair Lady, de George Cukor (dia 13, 21h30, esplanada), o musical onde a outra Hepburn, Audrey, ostenta um dos mais impressionantes acessórios de vestuário da história do cinema, desenhado por Cecil Beaton: o chapéu preto e branco que eternizou a elegância da personagem de Eliza Doolittle, uma simples vendedora de flores, com um insuportável sotaque cockney, transformada em cisne da alta sociedade londrina pelo professor Henry Higgins (Rex Harrison).
Neste subcapítulo "chapéus femininos", também se encontram, entre outros, a fruta na cabeça de Carmen Miranda em Sinfonia de Estrelas, de Busby Berkeley (dia 4, 21h45, esplanada), Um Chapéu de Palha da Itália (dia 1, 19h00), comédia muda de René Clair à volta desse objeto de uma senhora em apuros (esta sessão será acompanhada ao piano por Filipe Raposo), ou a boina que Marlene Dietrich usa na sua vigorosa performance em tribunal no magnífico Testemunha de Acusação, de Billy Wilder (dia 8, 19h00), sublinhando um sofisticado desespero.
Já no polo masculino as referências andam entre chapéus de coco, chapéus altos e, à falta de melhor termo, chapéus icónicos.
No primeiro caso destacam-se o de Charles Chaplin - que é sempre o mesmo - em O Garoto de Charlot (dia 13, 19h00), o de Malcolm McDowell em Laranja Mecânica, de Kubrick (dia 16, 19h00), e o de Pierce Brosnan em O Caso Thomas Crown, de John McTiernan (dia 3, 21h45, esplanada), numa cena genial inspirada por um quadro de Magritte. Em termos de chapéus altos, não podiam faltar o musical Top Hat, de Mark Sandrich (dia 2, 21h45, esplanada), com a dupla Fred Astaire/Ginger Rogers, e Charlie e a Fábrica de Chocolate, de Tim Burton (dia 27, 21h45, esplanada), que está entre as criações de excelência da persona de Johnny Depp. Por sua vez, a iconicidade pertence a figuras como o Indiana Jones de Harrison Ford, cujo chapéu de explorador se estreou com Os Salteadores da Arca Perdida, de Spielberg (dia 19, 21h45, esplanada), John Wayne, a envergar o seu emblemático chapéu de cowboy em A Desaparecida, de John Ford (dia 24, 21h45, esplanada), e Humphrey Bogart, com esse adereço de detetive em À Beira do Abismo, de Howard Hawks (dia 25, 21h45, esplanada), conferindo ao film noir uma inconfundível gramática de pose, ao lado de Lauren Bacall, com boina.
A coroar todos estes está o de Dean Martin em Deus Sabe Quanto Amei, de Vincente Minnelli (dia 6, 21h45, esplanada), no inesquecível final em que a sua personagem, o jogador que nunca tirava o chapéu, o faz em respeito à incrivelmente doce Shirley MacLaine. Como diz Vasco Santana em A Canção de Lisboa, de Cottinelli Telmo (que também passa, no dia 5), "chapéus há muitos", e é o que não falta em agosto na Cinemateca.
Um mundo de reflexos
Em matéria de espelhos, a abordagem torna-se mais filosófica, e o ciclo "Do outro lado do espelho" toca diversas expressões do tema, a começar pela animação da Disney Alice no País das Maravilhas (dia 29, 19h00), em referência direta ao título, assim como as obras oníricas Orfeu (dia 3, 19h00) e O Sangue de um Poeta (dia 25, 19h00), de Jean Cocteau, este último numa sessão musicada por Filipe Raposo, que inclui uma curta de Germaine Dulac.
A questão do duplo é outro subcapítulo aqui representado por filmes como Suprema Decisão, de Fritz Lang (dia 18, 21h45, esplanada), com Edward G. Robinson nas malhas da femme fatale Joan Bennett, ou A Mulher que Viveu Duas Vezes, de Alfred Hitchcock (dia 31, 21h45, esplanada), com James Stewart obcecado pela figura de Kim Novak. Mas há toda uma coleção de espelhos centrais na narrativa que deixam reflexos no espectador, como aquele que emoldura o rosto de Dirk Bogarde em O Criado, de Joseph Losey (dia 8, 21h45, esplanada), ou o que testemunha o "Are you talking to me?" de Robert De Niro em Taxi Driver, de Martin Scorsese (dia 12, 21h45, esplanada). Não esquecer ainda os categóricos do tema do envelhecimento ou desfiguração: O Retrato de Dorian Gray, de Albert Lewin (dia 19, 19h00), O Crepúsculo dos Deuses, de Billy Wilder (dia 22, 21h45, esplanada), e Olhos Sem Rosto, de Georges Franju (dia 24, 19h00).
Para além de experiências mais abstratas, uma delas envolvendo o caso português da tela negra de Branca de Neve, de João César Monteiro (dia 9, 19h00) - mas também O Último Ano em Marienbad, de Alain Resnais (dia 4, 19h00), ou India Song, de Marguerite Duras (dia 23, 19h00) -, recupera-se aqui o mítico labirinto de espelhos de A Dama de Xangai, de Orson Welles (dia 1, 21h45, esplanada), com Rita Hayworth, cena citada um ror de vezes em filmes de ação, e que se pode dizer ter sido ensaiada por Chaplin em O Circo (dia 27, 19h00). Literalmente, um convite para nos perdermos.
por Inês N. Lourenço in Diário de Notícias | 29 de julho de 2022
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias