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“O mais belo fim do mundo” de José Eduardo Agualusa foi distinguido em Loulé
7ª edição do Grande Prémio de Crónica e Dispersos Literários APE/CML
Município vai promover Encontro de Cronistas e quer reafirmar-se como “capital da crónica”
O escritor luso-angolano José Eduardo Agualusa recebeu na passada quinta-feira, em Loulé, o Grande Prémio de Crónica e Dispersos Literários APE/CML, atribuído ao livro “O Mais Belo Fim do Mundo”. Numa cerimónia inserida do Dia do Município, este momento reafirmou Loulé como a capital deste género literário, não só por este galardão, que tem vindo a crescer ao longo dos anos, mas por novas iniciativas que estão no horizonte, nomeadamente a realização de um encontro de cronistas.
A proposta partiu de Carlos Albino, mentor e, neste ano, porta-voz do júri do Grande Prémio, e que lançou mais este desafio à Autarquia no aniversário do concelho. “Loulé seria o local ideal para se criar um encontro anual ou bianual de cronistas. O contacto com os escritores de crónica poderia ajudar a retirar da banalidade os textos que se publicam por toda a parte. E também muitos dos jovens que têm vocação para a escrita criativa, como é o caso da crónica, e andam à deriva, sem gramática nem dicionário”, considerou.
A ideia foi desde logo aceite pelo autarca Vítor Aleixo: “Em Loulé os bons desafios abraçam-se e esta é, de facto, uma ideia muito importante porque a literatura tem um papel insubstituível na vida das nossas comunidades”.
E se Carlos Albino adiantou que alguns dos escritores vencedores deste galardão aceitaram já uma eventual participação na iniciativa proposta, José Eduardo Agualusa também manifestou o seu interesse em integrar o encontro. “Acho a sugestão extraordinária, transformar Loulé na capital da crónica e criar eventos ligados à crónica. Podem contar comigo para apoiar esse tipo de iniciativas”, sublinhou.
Relativamente à distinção de “O Mais Belo Fim do Mundo”- a obra galardoada -, o escritor falou da “alegria e também da responsabilidade” visto tratar-se de um prémio que já foi atribuído a escritores dos quais ele próprio é leitor e apreciador, como é o caso de Lídia Jorge, vencedora em 2021.
Agualusa iniciou-se no mundo das crónicas há cerca de 30 anos, no jornal “Publico”, e considera ser este “um bom exercício para um ficcionista”. “O que muitas vezes me acontece é que há personagens e ideias que surgem em crónicas e que depois retomo em romances”, explicou.
Quanto a este prémio referiu ter especial importância pelo facto de ter sido publicado durante a pandemia e, como tal, não ter tido sessão de lançamento pelo que esse foco de atenção dos leitores será agora maior.
“O Mais Belo Fim do Mundo” reúne alguns contos, crónicas e entradas do diário do autor, escritos entre 6 de fevereiro de 2018 e 21 de dezembro de 2021, e “dá testemunho destes últimos anos confusos que vivemos”, como o próprio refere.
“Estamos perante crónicas que intervêm, reclamam e incitam, criam beleza e combatem o ódio, e fazem-no sem receio de oferecer, ao mesmo tempo, uma prosa poética, lírica, envolvida com as pequenas coisas da vida, para além de que a sintaxe é pura, sem efeitos desnecessários”, aludiu Carlos Albino, que ao lado de Carina Infante do Carmo, da Universidade do Algarve, e Fernando Baptista, da Universidade de Aveiro, analisaram as obras candidatas.
E é com “acutilância e ironia” que o escritor luso-angolano fala nestas páginas do “jogo desumano de certo tipo de poder contemporâneo e o logro do mundo pós-moderno”. Donald Trump é, desde logo, um símbolo desse universo, mas não só. “O trumpismo e os seus parentes americanos, brasileiros, europeus e russos são militantes destas crónicas de uma forma inequívoca, e diria mesmo premonitória”, realçou Carlos Albino quando se citou uma das crónicas deste livro, que tem como título “O Inimigo está entre nós”, sobre a reeleição de Vladimir Putin, em 2018.
O júri destacou ainda o facto de Agualusa ser “um escritor de espírito livre, que fala sobretudo do eixo África-Brasil-Portugal, mas cujo universo é global” e que “evoca, por várias vezes, o poder da justiça poética”.
Recorde-se que O Grande Prémio de Crónica e Dispersos Literários distinguiu já os autores José Tolentino Mendonça (“Que coisa são as nuvens”), Rui Cardoso Martins (Levante-se o Réu) Mário Cláudio ("A Alma Vagueante"), Pedro Mexia (“Lá Fora”), Mário de Carvalho (“O que eu ouvi na barrica das maçãs”) e Lídia Jorge (“Em Todos os Sentidos”).
José Manuel Mendes, presidente da Associação Portuguesa de Escritores, falou do caminho ascendente que o Grande Prémio tem percorrido desde 2016, enquanto espaço que foi aberto para a consagração da crónica. “Desde que este prémio existe, a crónica vem ganhando evidência. Estão a publicar-se mais crónicas o que é significativo”, disse, referindo igualmente o aumento de candidaturas ao galardão desde a sua génese.
Carlos Albino corroborou estas palavas, realçando o “prestígio inegável, reconhecido por leitores, autores e editores de todo o país” tornando-o já “uma referência cultural e literária nacional.”
Por seu turno, Vítor Aleixo disse ser este prémio “um dos momentos altos do dossier de Loulé para a cultura, que abrange o teatro, a música, artes plásticas, pintura, escultura, arte pública”. E recordou o papel de duas pessoas para que esta iniciativa tivesse sido criada: “Fui feliz porque escutei e agarrei a ideia que foi trazida pelo Carlos Albino e pela Lídia Jorge para premiar, valorizar e dar notoriedade pública à importância que a crónica literária tem no universo da literatura portuguesa e dos seus escritores”.