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"Doce Amargura", mais do que um livro, um documento histórico

Com a colaboração dos descendentes portugueses e ingleses do fundador, o livro Doce Amargura – Vida e Morte do Império Açucareiro Hornung na Zambézia (1888–1988),de Paul Lapperre, que chega às livrarias, editado pela Casa das Letras, conta a história da Sena Sugar Estates.


Um documento fundamental para compreendermos os últimos cem anos de presença portuguesa em África.

No final do século XIX, John Peter “Pitt” Hornung, um intrépido jovem burguês de Middlesbrough, casa com Laura de Paiva Raposo, filha de um industrial lisboeta, e avança para a construção, junto ao rio Zambeze, daquela que viria a ser a maior indústria açucareira de Moçambique e uma das maiores do mundo. Trabalho notável do holandês Paul Laperre (n. 1942), antigo responsável pelo estudo dos solos da Sena Sugar Estates, o livro é sobretudo dedicado ao empreendimento levado a cabo pelo fundador da Companhia do Assucar de Moçambique, mais tarde Sena Sugar Estates, e a todos os que o sucederam aos comandos da empresa.

Destacam-se, no livro, os relatos de como Pitt Hornung enfrentou os mais diversos obstáculos para conseguir desenvolver o negócio - da natureza do território e do clima, às limitações de ordem política impostas por um Portugal em constante crise política, passando pela corrupção, os ódios e as guerras de interesses com outros terra-tenentes, a dificuldade de encontrar mão-de-obra, as crises regionais e mundiais, as pragas e, sobretudo, as guerras, com destaque para a Primeira Guerra Mundial.

A ambição de Pitt em integrar a aristocracia rural inglesa, a aquisição, nos primeiros anos do século XX, de um importante conjunto de propriedades em Inglaterra, o seu interesse na criação de cavalos de corrida e, sobretudo, a forma como se torna num dos homens mais ricos e influentes da sociedade britânica é outro dos pontos de interesse de Doce Amargura.

A partir do fim da Grande Guerra assistimos à modernização dos complexos da SSE em Moçambique, primeiro por Pitt e, depois, pelos seus descendentes, tornando-se as plantações e fábricas do Luabo e de Marromeu das mais modernas do mundo. Com o início da guerra colonial, em 1961, o 25 de Abril em Portugal, e a independência de Moçambique em 1974 e, por fim, a guerra civil, o declínio é inevitável e em meados dos anos 80 a SSE chega ao fim. O seu legado industrial, no entanto, perdura: em Portugal, por exemplo, a Sidul, criada no seio da SSE, continua a ser uma das principais marcas de açúcar a operar no mercado.

Mais de 130 anos depois da fundação da SSE, os descendentes ingleses e portugueses de Pitt Hornung colaboraram para a publicação deste livro, permitindo que seja contada, sem floreados, a extraordinária e por vezes dramática história da fundação, crescimento, triunfo e queda daquela gigante açucareira com ramificações em todo o mundo e com particular impacto na vida de milhares de moçambicanos e portugueses. Além dos depoimentos de familiares e de registos diarísticos, o autor realizou intensas pesquisas em arquivos ingleses e portugueses, incluindo na Torre do Tombo, e contactou com centenas de pessoas cujas vidas se cruzaram com a SSE e com Moçambique. Este livro será para todos eles mas também para tantos leitores com ligações à antiga África portuguesa ou com interesse em conhecer melhor a presença portuguesa em África e em contactar com este exemplo notável de empreendedorismo “todo o terreno” e do que tiveram que enfrentar milhares de homens e mulheres que ao longo de séculos viveram – por nascimento, por terem espírito aventureiro ou por lhes ter sido imposto - num território inóspito mas que, uma vez vencido, a muitos trouxe grande riqueza e felicidade. A muitos outros, como o livro bem ilustra, trouxe amargura, sob a forma de trabalho forçado e submissão aos poderes dos donos europeus que dominavam a terra.

Sobre o autor

Nascido em 1942, Paul Lapperre estudou Ciências do Solo Tropical e Química do Solo no State College for Tropical Agriculture, no International Training Centre for Aerial Survey and Earth Sciences (ITC) e na Agricultural University Wageningen (LUW) nos Países Baixos. Trabalhou em Moçambique, no Quénia, na Somália, na Zâmbia e no Reino Unido antes de regressar aos Países Baixos para iniciar uma nova carreira na Eindhoven University of Technology (TU/e). Aqui, concluiu um doutoramento em Ciência e deteve cargos de pesquisa, leccionação e gestão antes de se retirar como Associate Professor of Technology and International Development em 2005. Em 2006, Paul Laperre regressa ao Luabo onde encontra, em escombros, o local onde outrora trabalhou como responsável pelo estudo dos solos da Sena Sugar. Este amargo reencontro é contado no livro, contrastando com a chegada do autor ao Luabo, nos anos 60, e o fascínio que aquele território sobre ele exerceu.

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