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A história de admiração de um colecionador de arte pela obra de José Pedro Croft


"Caminhos Cruzados” é o nome da exposição do artista José Pedro Croft que abre sábado no Museu de Arte Contemporânea de Elvas. Reúne 60 obras que o colecionador privado António Cachola foi comprando ao longo de 25 anos de carreira do artista.

“É uma relação privilegiada entre o colecionador e o artista”. É desta forma que o artista José Pedro Croft descreve a exposição “Caminhos Cruzados” que abre este sábado no Museu de Arte Contemporânea de Elvas (MACE).

As 60 obras apresentadas pertencem todas à coleção privada de António Cachola em depósito naquele museu e traçam um percurso artístico de Croft nos últimos 25 anos.

Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, a partir de Elvas onde estava a montar a exposição, o artista nascido no Porto revela que se revê no percurso desta exposição. É uma mostra que “acompanha ao longo de 25 anos a produção” e mostra também “como foi mudando”.

Esta exposição, que revela a história de admiração de um colecionador de arte pela obra de um artista, tem um lado “curioso” para José Pedro Croft. “É muito curioso porque são obras que começaram a ser adquiridas pelo António Cachola em 1997, há 25 anos. As primeiras obras que adquiriu eram gravuras que na altura eram consideradas obras menores. Coisa que para mim nunca foram, e para o António Cachola também não”, conta o artista.

Segundo Croft, “é muito engraçado poder ver o trabalho de gravura feito ao longo de 25 anos, porque o António Cachola depois foi continuando a comprar até à última edição que eu fiz em 2014 que foi um livro à volta do Cervantes”. Mas nem só de gravura vive a exposição.

“Tem aqui um corpo imenso em gravura, depois desenho e papel em grandes dimensões e também escultura, umas menores e outras de escala monumental”, descreve o artista que tem diante de si uma das maiores esculturas.

Uma peça em madeira que recupera uma mesa “com 6 metros de comprimento” de um antigo laboratório de química da Faculdade de Ciências de Lisboa. “Estava destruída e eu restaurei e recriei uma escultura a partir dela”, conta Croft, que remata dizendo que “António Cachola teve a coragem de a comprar e tomar conta dela”.

Quando olha para trás, para os seus trabalhos ao longo destes anos, José Pedro Croft encontra neles os embriões dos temas que sempre gostou de explorar. Diz que vê as obras “como se as tivesse feito ontem” e revela que nestas duas décadas de criação “há muitos caminhos” que hoje em dia reconhece nas obras que está a fazer, mas que “já lá estavam enunciados” no passado.

Temas como “a escala, a relação do corpo com a arquitetura, as questões da imagem, a imagem como duplo, o espelho” estão sempre presentes na obra do artista nestes anos. Croft, que recusa a ideia de “mudança radical” no seu percurso, diz que estas temáticas foram, ao longo dos anos, ganhando forma, ora “em madeira, ora em gesso, ora em forma de espelho, ora em forma de vidro, mas são sempre os mesmos assuntos”.

Os caminhos do colecionador António Cachola e do artista José Pedro Croft foram se cruzando. Além da amizade que nasceu, há também um reconhecimento do artista para com o papel que este colecionador tem tido na cena cultural portuguesa.

No seu testemunho sobre Cachola escutamos Croft a dizer que “é um homem que viveu toda a sua vida do trabalho. Não é rico, não é milionário, mas consegue por dedicação de vida e por coragem fazer uma coleção que muitas instituições não fazem”. Segundo o artista plástico, Cachola “dedica-se a tomar conta dos artistas portugueses”, e tem uma coleção “sobretudo de artistas portugueses”, destaca Croft.

“Começou com pessoas da minha geração, mas tem também acompanhado os mais novos. Tem sido um exemplo absolutamente ético e com sentido moral que a mim me impressiona muito e ao qual estou muito agradecido, não só por mim, mas por um trabalho que ele está a fazer em relação ao país” sublinha José Pedro Croft sobre o colecionador António Cachola, que em 2016 recebeu o Prémio A para Coleccionismo atribuído pela Fundação ARCO, de Espanha.

Questionado sobre estes últimos tempos de pandemia e como tem gerido a diminuição da atividade, José Pedro Croft revela ao Ensaio Geral que se sente um privilegiado, mesmo que mais isolado.

“Vivi estes últimos tempos de uma maneira muito isolada, mas eu já vivo de uma maneira muito isolada”, conta o artista. “O trabalho artístico exige muito esforço físico e de concentração mental”, diz Croft, que assume que “já era uma pessoa muito retirada” e que era “raríssimo ir a uma inauguração”.

“Fui a muitas festas quando tinha 30 ou 40 anos, hoje em dia já não”, confessa o artista, que admite que hoje precisa “ocupar o tempo e o espaço de outra maneira”. Sobre a situação de muitos artistas, José Pedro Croft diz que viveu “com uma aflição, como muita gente viveu”.

“Felizmente, permiti-me continuar a trabalhar e não passar por situações que muitas pessoas com recibos verdes e precários passaram. De repente viram-se sem trabalho e com toda a crueldade viram-se descartados e prescindidos”, denuncia o artista.

José Pedro Croft conclui dizendo: “Isso felizmente não me aconteceu. Tenho de perceber que tenho uma situação de privilégio que tento honrar, dando de volta”.


por Maria João Costa in Renascença | 4 de fevereiro de 2021
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Rádio Renascença

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