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Acampamento militar romano, possivelmente "posterior à conquista", descoberto em Montalegre
Campanha arqueológica no lugar de Vegide, entre o norte de Portugal e o sul da Galiza, confirmou a existência de um acampamento militar romano, “construído num contexto não bélico”, datado entre os séculos I a.C e I d.C.
Um recinto militar romano, com cerca de três hectares de superfície, foi descoberto no lugar de Vegide, na fronteira entre a aldeia de Tourém, em Montalegre, e a localidade galega de Calvos de Randim, possivelmente datado entre os séculos I a.C e I d.C.
O acampamento, caracterizado por uma morfologia retangular com esquinas arredondadas, insere-se no vale do rio Salas, rodeado de castros, e poderá ter sido “construído num contexto não bélico”, diz ao PÚBLICO João Fonte, arqueólogo do coletivo Romanarmy,eu, grupo responsável pela campanha arqueológica e que estuda a presença militar romana no noroeste da Península Ibérica – do Norte de Portugal à Cantábria.
“O acampamento não estava numa zona de refúgio, de proteção, estava numa zona exposta. Se houvesse um contexto de guerra teria de estar numa zona mais elevada, numa montanha, por exemplo”, assinala o arqueólogo, presumindo que “poderá haver ali um contexto de reorganização territorial e social das comunidades indígenas, num momento posterior” à conquista romana.
A intervenção arqueológica, que nasceu no âmbito do projeto Finisterrae financiado pela Comissão Europeia e que tem como parceiros a Câmara Municipal de Montalegre, o Ecomuseu de Barroso, a Junta de Freguesia de Tourém, o Conselho Diretivo dos Baldios de Tourém e o Concelho de Calvos de Randim, arrancou em maio passado, altura em que o coletivo percebeu, pela própria morfologia do sítio e sua localização, que ali podia estar um recinto militar romano.
A hipótese foi confirmada recentemente, tendo sido detetado no local “um fosso externo em V, escavado no substrato geológico, e um talude interno construído com a terra retirada do fosso”.
A campanha, realizada com recurso a ferramentas como a tecnologia LIDAR – que produz mapas de alta resolução com laser e é utilizada para o combate a incêndios -, drones e magnetómetros, e métodos como a datação por radiocarbono e a luminescência, “validou que ali está, sem sombra de dúvida, um acampamento militar romano”, refere João Fonte.
“Sabemos que o recinto terá sido ocupado sobretudo no início do século I d.C e que o mesmo já estaria abandonado no final do século II d.C”, garante, acrescentando que, além do fosso e do talude interno, a investigação recolheu “algumas sementes carbonizadas” – as quais podem oferecer dados sobre a “dieta” do exército – e “elementos metálicos”, nomeadamente “tachas” que fariam parte da base das sandálias dos soldados romanos.
O achado junta-se a outras intervenções arqueológicas lideradas pelo coletivo Romanarmy.eu, realizadas em 2020 no alto da Pedrada (Soajo, Arcos de Valdevez) e Lomba do Mouro (Castro Laboreiro, Melgaço e Verea, Ourense), locais integrados na Reserva da Biosfera Transfronteiriça Gerês-Xurés. Apesar de estarem relacionados ao do vale do rio Salas, são de uma época anterior. “Esses são sítios de conquista, estão localizados no alto da montanha”, diz o investigador, assinalando que, aí, terá sido estabelecido “o primeiro contacto entre as comunidades indígenas e o exército romano”.
Por outro lado, os indícios no recinto de Vegide, cuja área é “75% portuguesa e 25% espanhola”, mostram que o “território estaria a começar a ser reorganizado num momento imediatamente posterior à conquista” onde as “as próprias comunidades estariam a ser integradas no próprio mundo romano”, explica o João Fonte, acrescentando que o vale do rio Salas, que encerra “muitas minas de estanho e de ouro”, era também propício “à prospeção de recursos”, algo em que “o império romano estava sempre muito interessado”.
Futuro pode revelar mais detalhes sobre ocupação pré-histórica
Além de constatar a existência de um recinto militar, a intervenção arqueológica encontrou vestígios que indicam uma ocupação prévia aos romanos, “talvez do Bronze Final ou da Primeira Idade do Ferro”, entre os séculos VIII e VI a.C”, desvenda o arqueólogo.
Para confirmar os indícios pré-históricos e alargar a área de conhecimento sobre a ocupação romana, o coletivo de João Fonte quer aumentar a área de escavação além dos três hectares atuais.
“O local tem contextos arqueológicos excecionais que importa investigar. Além da muralha e do fosso, há várias estruturas de combustão, como carvões e sementes, que são um manancial de informação”, sublinha.
por Pedro Manuel Magalhães in Público | 23 de dezembro de 2021
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público