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Mural “História de Lisboa” só resistiu uma semana ao vandalismo
Banda desenhada em Alfama tinha acabado de ser restaurada e ia ser protegida com acrílico. Nuno Saraiva lamenta “ato de absoluta malvadez” e garante novo restauro. Junta de Santa Maria Maior vai fazer queixa à polícia.
Quem desce das Portas do Sol para Alfama pelas escadinhas da Rua Norberto de Araújo encontra à esquerda um quadriculado colorido e divertido que relata as glórias e misérias da História de Lisboa. Estão lá os romanos, os muçulmanos e a barca de São Vicente com dois corvos tagarelas, estão os cruzados, as naus e o Marquês de Pombal, mas Nuno Saraiva é o primeiro a advertir que esta banda desenhada é uma interpretação pessoal bem-humorada para ler com um sorriso ao canto do lábio.
O artista visual, conhecido sobretudo pelo seu trabalho de cartoonista, diz surpreender-se com as reações que a obra desperta. “Vejo os guias turísticos a falarem daquilo como se fosse um trabalho muito superior”, ri-se, confirmando que aquele recanto da cidade, graças àqueles desenhos, se tornou ponto de paragem quase obrigatória para turistas nacionais e estrangeiros.
E voltaria a sê-lo por estes dias, não fosse alguém ter feito uma pichagem de grande dimensão sobre a banda desenhada. “Eu não considero aquilo arte. É um ato de absoluta malvadez”, reage Nuno Saraiva.
Originalmente criado entre 2016 e 2017, o mural História de Lisboa foi vandalizado pela primeira vez no grande confinamento do ano passado. Alguém se limitou a passar spray preto por cima dos desenhos, naquilo que o artista considera “um ato de barbárie”. Nuno Saraiva comprometeu-se então com a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, que encomendara a obra, a fazer o devido restauro.
Tag tapou parte da obra
Ele decorreu nos últimos três meses e terminou há sensivelmente uma semana. De então para cá o mural foi novamente vandalizado, desta feita com um tag que impossibilita descortinar uma grande parte da obra. “É lamentável. Lamentamos muito que haja pessoas que não respeitam nada e que estejam apenas interessadas em estragar o trabalho dos outros”, afirma Miguel Coelho, presidente da junta. “É um mural que a junta solicitou para aquele local e que se tornou um ex-líbris da cidade. Isto sim é arte urbana”, comenta. “Iremos fazer queixa à polícia”, assegura o autarca.
O trabalho de restauro foi delicado e demorado porque uma das paredes em que está o mural tinha muito salitre e estava a abaular. Funcionários da junta resolveram o problema e Nuno praticamente refez os desenhos a partir do zero. Ele e quatro estudantes da Escola Superior de Artes e Design das Caldas da Rainha: Ana Casimiro, Catarina Chaves, Daniela Augusto e Diogo Dionísio. “Estavam todos contentes. Revolta-me mais por eles do que por mim”, diz o artista.
Há duas semanas, o tema da vandalização do espaço público reentrou na agenda mediática depois de o Padrão dos Descobrimentos ter sido grafitado com uma mensagem em inglês. O ato, atribuído pela Polícia Judiciária a uma mulher estrangeira, gerou reações indignadas e originou pedidos de que os monumentos sejam mais vigiados.
Restauro em setembro
Mas são centenas as paredes de Lisboa com pichagens e a câmara gasta anualmente cerca de cinco milhões de euros em limpeza. Há dois anos, a associação Vizinhos em Lisboa apresentou queixa à Justiça contra um homem que grafitou “Geco” em dezenas de locais da cidade, mas o processo acabou arquivado. O suspeito seria detido em Roma em novembro de 2020.
Para Nuno Saraiva, quem grafitou o seu mural “sabia que ele estava fresquinho” e “percebeu que o estava a arruinar”. O artista sabe que “uma pintura mural está sempre sujeita a riscos e às intempéries”, mas acredita que ainda “existe uma espécie de código de honra” que devia prevenir a ocorrência destes actos de vandalismo.
Uma vez que ele não é respeitado, a solução encontrada por Nuno Saraiva e pela junta passa por pôr uma placa acrílica sobre a obra de forma a preservá-la de futuros ataques. Estava prevista a sua colocação para os próximos dias, mas o tagger adiantou-se.
Nuno Saraiva garante, no entanto, que em setembro voltará a restaurar a obra integralmente. “Vou-me atirar aos novos reparos disto”, afiança. E desta vez quer certificar-se de que não é em vão: o acrílico é para ser colocado mal pouse os pincéis.
por João Pedro Pincha, in Público | 24 de agosto de 2021
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público