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A calçada portuguesa já é candidata a Património Imaterial Nacional
A proposta surgiu pela Associação da Calçada Portuguesa e tem como intuito a promoção e valorização da calçada e dos calceteiros, bem como a “salvaguarda urgente deste saber-fazer”, que se encontra “em vias de extinção”.
A calçada portuguesa “faz parte da identidade da cidade, da nossa cultura e da nossa relação com o mundo”, disse Fernando Medina, na cerimónia em que foi feito o anúncio oficial da candidatura da “Arte e Saber-Fazer da Calçada Portuguesa” ao inventário nacional do património cultural e que decorreu esta sexta-feira na Câmara Municipal de Lisboa.
O presidente da câmara sublinhou ainda que, apesar do contentamento pela proposta apresentada, “este não é dia do fim, mas do início”. Assim, o autarca reforçou o apoio à Associação da Calçada Portuguesa, da qual a câmara faz parte, com o intuito de, tal como o Fado, elevar a calçada portuguesa a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO.
Em declarações ao PÚBLICO, António Prôa, secretário-geral da Associação da Calçada Portuguesa e um dos principais responsáveis pela candidatura a património imaterial nacional, mostra-se satisfeito pelo alcançar de um objetivo há muito pretendido. A proposta apresentada à Direcção-Geral do Património Cultural conta com “mais de 500 documentos” que assentam numa pesquisa “histórica e etnográfica” e que ilustram, na visão de Prôa um “enorme esforço em torno de um projeto muito ambicioso”.
A Associação da Calçada Portuguesa foi constituída em 2017 e integra a Associação Portuguesa dos Industriais de Mármores, Granitos e Ramos Afins, bem como a UCCLA, o Grupo Português da Associação Internacional para a Proteção da Propriedade Intelectual e a Universidade de Lisboa. Desde 2020, conta também com a presença da Câmara Municipal de Porto de Mós.
“Sem calceteiros, não há calçada”
António Prôa explicou ao PÚBLICO que o principal desígnio da instituição sempre foi a “valorização, a promoção e a internacionalização da calçada portuguesa enquanto património cultural e fator de identidade de Lisboa e de Portugal”. Porém, reforça que “sem calceteiros, não há calçada”.
“Dedicámo-nos a interagir e conhecer os calceteiros que ainda existem. É uma profissão muito dura e mal remunerada”, sublinha. “Em 1927, na câmara de Lisboa, havia 400 calceteiros. Em 2020 existiam 18. Os profissionais têm idade avançada e não há transmissão do conhecimento. Estes são fatores que nos permitem concluir que há necessidade de salvaguarda urgente deste saber-fazer”, diz, preocupado.
Neste sentido, a proposta formalizada apresenta medidas concretas para fomentar a atratividade e apostar na formação e valorização desta área profissional. Entre elas, António Prôa destaca a “criação de um centro de documentação e de um observatório da calçada portuguesa no mundo”, “a atração de novos artistas para criarem, tendo a calçada portuguesa como tela, modernizando esta arte”, “a dinamização da escola de calceteiros da câmara”, “diferenciação das categorias profissionais”, “a criação de um referencial de formação do calceteiro-artístico” e a “regulamentação e certificação da intervenção em calçada artística”.
Críticas ao pavimento preocupam
Mas quem caminha sobre o rendilhado de pedra vai pedindo a reforma da calçada e a substituição para pisos mais confortáveis. Equilíbrio instável, pedras levantadas pelas raízes ou onduladas pelo peso dos automóveis são motivos de queixa de alguns cidadãos. Algo que preocupa a autarquia e o secretário-geral da Associação da Calçada Portuguesa. “A calçada portuguesa só existirá enquanto for bem acolhida pelos cidadãos, como é evidente. Nós não somos indiferentes às críticas”, diz.
Contudo, António Prôa relaciona as críticas relativas ao desconforto do pavimento com a falta de profissionais que apliquem bem o empedrado e façam uma boa manutenção da calçada. “Se por exemplo percorrer a Praça do Império verá calçada que foi colocada em 1940 e que é tão confortável como qualquer outro pavimento. Porque foi bem aplicada e tem sido bem mantida. Porém, a quantidade de calçada existente em Lisboa é imensa e há um problema na relação entre a grande extensão de calçada e o reduzido número de calceteiros”.
Além disso, subsiste o problema da aplicação de calçada em locais desadequados, como por exemplo ruas com grande inclinação.
Em resposta a estes problemas geradores de críticas, Prôa defende que deve haver formação de mais profissionais que possam responder às exigências da vasta área de calçada e um maior estudo e cuidado nas escolhas dos locais onde esta é aplicada. “Um dos projetos que estamos a desenvolver, em parceria com o Instituto Superior Técnico, é precisamente o estudo de soluções que contrariem a falta de conforto e segurança na calçada”.
“Se há coisa que devemos evitar é que, por erros de aplicação e de manutenção, se ponha em risco um património que pode ser tão diferenciador e que é um símbolo de Lisboa, de Portugal em todo o mundo”, remata.
Futuro difícil mas ambicioso
Apesar do contexto difícil inerente aos profissionais da área, a entrega da proposta a património imaterial nacional é motivo de esperança para o futuro. A Associação da Calçada Portuguesa diz que ainda há muito a fazer e está confiante de que o pavimento típico português poderá chegar a Património Mundial da Humanidade.
“Este passo que estamos agora a dar na inscrição no inventário nacional do património cultural imaterial é fantástico, mas é um passo obrigatório para alcançar um objetivo mais ambicioso, a candidatura à UNESCO”.
Durante a apresentação da candidatura que decorreu no Paços do Concelho, o secretário-geral da associação não especificou a calendarização da candidatura à UNESCO, porém afirma que grande parte do trabalho realizado para esta proposta nacional irá servir de suporte para o futuro.
“Vamos ter de esperar o tempo da avaliação desta proposta por parte do Ministério da Cultura. Porém, temos todas as razões para crer que a proposta vai ser aprovada num curto espaço de tempo”, afirma, esperançoso.
“Depois dessa aprovação, vamos preparar a candidatura à UNESCO, que vai implicar por um lado o desenho de uma estrutura para desenvolver essa proposta e por outro a aliança com outras cidades no mundo com calçada portuguesa”, explica.
Prôa revelou já terem sido feitos os primeiros contactos com a Comissão Nacional da UNESCO que vê com “bons olhos” esta iniciativa. Por tudo isto, a associação sente-se esperançosa com a possível chegada da “Arte e Saber-Fazer da Calçada Portuguesa”, tão típica e identitária da cultura lisboeta e portuguesa, a Património Imaterial da Humanidade.
por Rafael Tomaz Albuquerque in Público | 19 de março de 2021
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público