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Os caretos de Podence vão "saltitar à varanda". "Fiquem todos em casa"
Os caretos de Podence não vão andar a correr, a saltar e a chocalhar pelas ruas da aldeia.
Vestidos com os seus fatos coloridos, com os chocalhos à cintura, os tradicionais mascarados fazem o carnaval à varanda. A partir de Podence, haverá também uma troca de experiências entre os carnavais mais genuínos do mundo.
Este ano, devido à pandemia de Covid-19, os tradicionais mascarados vão estar às varandas, a saltitar, e os portugueses em casa, a acompanhar.
“Temos que fazer alguma coisa desta tradição que nos enche de muito orgulho e assinalar que estamos cá e que estamos vivos. É isso que nós queremos assinalar, num ato simbólico, com os caretos às varandas, uma tradição ancestral de Portugal e do Mundo”, explica à Renascença António Carneiro.
O presidente da Associação dos Caretos de Podence diz que este ano não vão “comemorar nada porque os caretos são sinónimo de alegria. E atendendo às circunstâncias e à pandemia o alerta é: fiquem toquem em casa e os caretos a saltitar às varandas”.
A tradição irá chegar a casa dos portugueses através das redes sociais e dos órgãos de comunicação social, com transmissões em direto.
A associação dos Caretos de Podence lançou também um concurso de fotografia e desafiou aqueles que já visitaram e registaram a tradição ancestral do entrudo a enviarem fotos da passagem por aquele território.
“Foi um sucesso que percorreu o país de Norte a Sul e também várias partes do mundo e uma forma de reviver e de recordar aqueles momentos que as pessoas viveram no carnaval mais genuíno de Portugal”, conta António Carneiro.
A partir de Podence, o retrato dos carnavais no mundo
Esta segunda-feira, aos Caretos de Podence juntam-se manifestações culturais de carnaval e mascaradas de outras zonas do mundo, como Colômbia, Brasil, Grécia, Suíça, Itália, Espanha e França, numa sessão online, uma Webinar.
“É uma troca de experiências entre os carnavais mais genuínos do mundo. É uma partilha, um recordar, é uma forma de manifestação entre estes países que mantiveram sempre as tradições”, explica António Carneiro.
A iniciativa é promovida pela autarquia de Macedo de Cavaleiros e o Laboratório Colaborativo Montanhas de Investigação (MORE). A partir de Podence, terra dos Caretos, Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO, um conjunto de convidados de vários países vão traçar um retrato das inúmeras tradições ligadas ao entrudo, desde as práticas pagãs até às tradições mais urbanas.
Para o presidente da Câmara de Macedo de Cavaleiros, “esta é uma oportunidade de conhecer outras tradições e rituais que fazem do Carnaval um evento único em, praticamente, todo o mundo”.
Dos rituais pagãos aos corsos mais modernos, Benjamim Rodrigues admite que “há todo um conjunto de ritos que fazem desta uma sessão enriquecedora para os amantes dos rituais carnavalescos e de toda a história e cultura a eles associadas”.
Num ano em que, fruto das restrições impostas pelo combate à pandemia de Covid-19, as celebrações não podem sair à rua, o autarca explica que “esta é uma forma diferente, mas inovadora, de assinalar uma festividade tão importante para concelhos como o de Macedo de Cavaleiros e os seus Caretos de Podence”.
O webinar “Carnival And Masks: Rituals And Practices Around The World” tem transmissão a partir do Facebook de Macedo de Cavaleiros e tem início às dez da manhã com uma intervenção do presidente da autarquia macedense, Benjamim Rodrigues, e da diretora do Departamento de Cultura da Fundação INATEL, Carla Raposeiro.
O primeiro painel, mais dedicado às tradições pagãs das festas de Inverno, festas dos rapazes e Entrudo, conta com as intervenções do presidente dos Caretos de Podence, António Carneiro; de Kostas Ioannidis, que irá abordar o Carnaval de Naoussa e as tradições dos mascarados naquela região grega, e ainda, entre outros, do fotógrafo francês Charles Fréger, autor do projeto fotográfico WilderMan, dedicado aos rituais mascarados de inverno no continente europeu.
Durante a tarde, a sessão estará mais vocacionada para os carnavais mais urbanos, contando com a participação de Nicole Costa, que irá abordar as artes performativas do Carnaval do Recife (Brasil) e de Guisella Coral, que apresentará a tradição do Carnaval De Blancos Y Negros, originário da cidade de Pasto, na Colômbia. Do mesmo país chega ainda a participação de Carla Celia, com o ritual do Carnaval de Barranquilla.
Queimar o coronavírus
No dia de Carnaval, terça-feira, a partir das 17h30, os Caretos vão estar à janela, com os seus fatos garridos e os chocalhos presos à cintura.
Depois, vão participar na cerimónia “Sentir Portugal”, junto a um mural ilustrado, para homenagear o presidente da República que, há pouco mais de um ano, participou no primeiro Entrudo Chocalheiro, depois da elevação a Património da Humanidade.
Para o final do dia, está prevista a simbologia da queima do entrudo, que, em ano atípico, será a queima do Coronavírus.
“A queima do entrudo sinaliza o queimar aquilo que é de mau, e neste ano tão atípico quisemos brincar um bocadinho e de uma forma simbólica, vamos queimar o Coronavírus”, explica António Carneiro.
Tradição milenar
Há quem diga que remonta à época pré-romana e encerra as festividades de inverno no Nordeste Transmontano.
O careto incarna uma personagem diabólica. Os homens que podem correr e saltar vestem fatos de caretos, feitos de colchas com franjas compridas de lã, em tons de amarelo, verde e vermelho, e juntam-se em grupos por tudo que é sítio.
As máscaras são feitas de couro, madeira ou de vulgar latão e têm uma forma rudimentar. São vermelhas, verdes, amarelas ou pretas, com o nariz pontiagudo, o que lhes confere um aspeto diabólico. É por detrás da máscara que se preserva o anonimato destas figuras misteriosas, imunes a tudo e ao tempo.
Os caretos irrompem frenéticos pelo meio do povo, com ruidosos chocalhos presos à cintura. Apoiados em pau de madeira de freixo ou castanheiro, que lhes serve de apoio quando saltam, não dão sossego a ninguém. Afastam os homens e chocalham as mulheres.
O chocalhar consiste numa dança em que o careto agarra a mulher e abana a anca, batendo nesta com os chocalhos que traz à cintura.
Ser careto é um ritual obrigatório de todas as gerações de homens da terra. E a tradição será perpetuada pelos descendentes dos caretos, os facanitos, que estão a aderir cada vez mais ao entrudo chocalheiro.
Este ano, devido à pandemia, a tradição cumpre-se com fortes limitações, com a esperança de que possa regressar com novo fulgor no próximo ano.
“É essa a esperança de todos nós, que esta pandemia nos liberte, para no próximo ano comemorarmos de outra forma, com mais alegria, dentro daquilo que este carnaval nos proporcionou durante estes anos todos, com os caretos à solta e com toda a sua alegria e a sua magia”, conclui o presidente da Associação dos Caretos de Podence.
por Olímpia Mairos in Renascença | 15 de fevereiro de 2021
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Rádio Renascença