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Novas descobertas sugerem que há mais arte rupestre do que se pensava em Briteiros e em Sabroso
Investigação procurava relocalizar gravuras encontradas por Martins Sarmento, no final do século XIX, e deparou-se com 12 novos sítios rupestres, com gravuras que se estendem do quarto milénio a.C. às eras medieval ou moderna.
A Citânia de Briteiros e o Castro de Sabroso podem ter mais arte rupestre do que o até agora perspetivado.
Tal como Martins Sarmento no último quartel do século XIX, um grupo de investigadoras e de estudantes de arqueologia aventurou-se pelos montes de S. Romão, onde se encontra a Citânia de Briteiros, e do Coto de Sabroso, que alberga o Castro de Sabroso, para relocalizar gravuras rupestres mencionadas pelo arqueólogo - círculos concêntricos e espirais, por exemplo. A busca realizada pela zona norte do concelho de Guimarães culminou, porém, na descoberta de 12 novos sítios rupestres. “Nenhuma das gravuras coincide com os desenhos de Martins Sarmento. Estes sítios podem ter muito mais arte rupestre do que o que se pensava”, diz Daniela Cardoso, arqueóloga da Sociedade Martins Sarmento (SMS), instituição que supervisiona ambos os sítios arqueológicos, classificados como monumento nacional desde 1910.
Entre as representações desvendadas ao longo da primeira quinzena de Setembro, a investigadora destaca um labirintiforme, exemplar da designada arte atlântica, que remonta à transição entre o Neolítico e o Calcolítico (entre o quarto e o terceiro milénio a.C.), gravações de equídeos e de um serpentiforme, da Idade do Ferro, quando as povoações fortificadas de Briteiros e Sabroso já existiam (primeiro milénio a.C.), e uma cruz, da época medieval ou moderna. “Estes castros atingiram o período áureo na Idade do Ferro, mas os montes já eram frequentados desde o quarto milénio a.C.. O cruciforme mostra que as populações locais passavam pelo monte de S. Romão durante a época medieval”, acrescenta.
A equipa, formada ainda pela especialista em proto-história e pré-história Ana M. S. Bettencourt, da Universidade do Minho (UMinho), e por cinco alunos do mestrado em Arqueologia da mesma instituição, descobriu inscrições que não esperava, seguindo o método adotado por Martins Sarmento há mais de 100 anos: calcorrear os trilhos daqueles montes e inquirir as populações sobre “as histórias e as lendas” associadas àqueles locais.
O labirintiforme, no Monte do Coto de Sabroso, é um desses exemplos: as instruções do presidente da União de Freguesias de S. Lourenço de Sande e Balazar, Francisco Gonçalves, “possibilitaram a descoberta”, revela Daniela Cardoso. Autora de uma tese de doutoramento sobre arte atlântica no monte de São Romão, defendida em 2015, a investigadora refere que o exemplar é comum no estilo que se propagou pela “fachada atlântica europeia”, desde a Irlanda à bacia do rio Vouga, mas inédito em Sabroso. O possível significado da figura ainda vai ser estudado. “As interpretações são sempre controversas. Uma delas aponta para círculos celestes e solares, associados a rituais que desconhecemos”, adianta.
Também as gravuras dos equídeos e de um serpentiforme constituem uma “grande novidade”, diz a arqueóloga. São as primeiras figuras zoomórficas encontradas no Coto de Sabroso, apesar dos equídeos serem comuns na Galiza, acrescenta Daniela Cardoso.
A SMS e a UMinho costumam desenvolver campanhas anuais de escavações nas povoações da Idade do Ferro, mas esta, direcionada para a arte rupestre, sem qualquer escavação, pode contribuir para uma leitura mais abrangente daqueles sítios, refere a arqueóloga. “A arte rupestre fica, por vezes, para segundo plano. E é importante ter uma leitura do todo. Não podemos dizer que temos um povoado da Idade do Ferro, quando existem vestígios anteriores”, afirma.
Preservação em risco
A campanha poderia, no mínimo, ter identificado “mais três afloramentos gravados no Castro de Sabroso”, mas o estudo das gravuras nas antigas povoações castrejas é condicionado pela vegetação que por lá se espalha. No caso de Briteiros, há tojo e silvas. Já Sabroso é infestado pelas mimosas desde os anos 70 do século XX. A requalificação desse castro, alvo de ocasionais intervenções de desinfestação, está prevista desde 2017, quando foi escolhida no âmbito do Orçamento Participativo de Guimarães, mas continua em espera.
O património castrejo depara-se ainda com outras duas ameaças: os incêndios florestais e o vandalismo. Os fogos causam um sobreaquecimento dos locais onde se encontram as gravuras, apesar de favorecerem a sua prospeção, por causa da vegetação que desaparece, salienta a arqueóloga da SNS. Já o vandalismo inclui todos os casos em que alguém toca inadequadamente as gravuras, acontecendo entre os visitantes. “Quando, às vezes, não conseguem visualizar um motivo rupestre, tocam naquilo com uma chave ou moeda para perceberem o que lá está. São precisas mais medidas de segurança”, defende.
por Tiago Mendes Dias in Público | 24 de setembro de 2020
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público