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Chegar a José Pedro Croft como a uma "praça gigantesca"

Campo / Contracampo é a primeira instalação apresentada pela Anozero, a bienal de arte contemporânea de Coimbra, fora dos anos de programação principal.

Os trípticos de seis metros jogam com a monumentalidade do antigo refeitório do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova.


O primeiro vislumbre da instalação Campo / Contracampo, o trabalho que o artista plástico José Pedro Croft inaugurou este sábado, em Coimbra, é fulgurante. Depois de mergulhar no breu do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova, e de percorrer as pequenas divisões escassamente iluminadas, avista-se ao fundo uma porta entreaberta. À distância, tudo o que se vê para lá dessa porta é um fundo encarnado que contrasta com a sobriedade de um edifício do século XVII construído para ser casa de religiosas e que foi mais tarde adaptado a um quartel.

“É como se fosse uma cortina, uma parede vermelho carmim”, descreve José Pedro Croft (Porto, 1957), ao PÚBLICO. Transpõe-se a porta e rapidamente é destapado o artifício: numa primeira revelação, o que parecia uma cortina é uma placa de seis metros de altura, elemento instalado numa divisão de 40 metros por 10, com um pé direito de 12 metros. A sensação é a de “passar por um beco estreito e chegar a uma praça gigantesca”, refere o artista plástico, cuja obra dá corpo à primeira exposição produzida pela Anozero, a bienal de arte de contemporânea de Coimbra, num ano que permeia a programação principal.

Deste ponto de partida que é a soleira da porta, uma inclinação para a esquerda ou para a direita mostra uma outra perspetiva. A placa é parte de um de dois trípticos erguidos em aparente equilíbrio precário, como se o ângulo em relação ao solo fosse apenas o suficiente para que toda a estrutura não desabe. Os conjuntos de seis metros jogam com a monumentalidade do antigo refeitório do mosteiro, oscilando entre a harmonia do azul que conversa com a azulejaria das paredes e a vivacidade dos tons quentes.

Não interessava a José Pedro Croft “dar uma resposta tímida a um espaço que tem uma força que engole tudo”, diz Carlos Antunes, diretor do Círculo de Artes Plásticas de Coimbra, que em conjunto com a autarquia e universidade organizam a Anozero. Nas edições anteriores da bienal, artistas diferentes optaram por respostas diferentes ao refeitório, ora de ampliação do espaço (Fernanda Fragateiro) ora de apagamento (Paiva & Gusmão).

Falsa simetria

Campo / Contracampo resulta de uma co-produção da Anozero com a Fundación Cerezales Antonino y Cinia, na província de Léon. Foi lá, num edifício moderno com duas fachadas de vidro, que as peças do artista português começaram por estar expostas, no final de 2019, mas a instalação de Coimbra não é a mesma e responde ao princípio seguido por Croft, que estabelece que “a arquitetura e o espaço são determinantes de cada vez que a obra é apresentada”, diz. “Em Cerezales [o edifício] funciona como um corredor muito grande que não tem limite”, com vista para a planície leonesa. Em Espanha, os painéis estavam organizados em dípticos que “obstruíam a leitura do espaço, com a energia a circular no sentido longitudinal”.

No caso de Coimbra, numa sala “que tem um espírito barroco e uma falsa simetria”, a opção foi conferir verticalidade aos painéis, alterando-lhes as orientações, a organização e a coloração, apresentando-os igualmente em falsa simetria.

Esta exposição é também a continuação de uma história, a da ligação de Croft ao Círculo de Artes Plásticas de Coimbra (CAPC), que teve o primeiro capítulo numa exposição coletiva (que incluía jovens artistas como Pedro Cabrita Reis, Ana Léon, Pedro Calapez e Rosa Carvalho) no início dos anos 1980.

Ocupar o refeitório

Campo / Contracampo, que com as exposição individuais de Joana Villaverde (Looking at Animals, no Círculo Sede) e Rui Sanches (Vista Para o Parque, no Círculo Sereia), marca a rentrée do CAPC, cumpre também a aspiração da Anozero de produzir entre bienais uma exposição individual de dimensão internacional. A última coisa que me interessa é que a bienal seja um evento, no sentido de ser uma coisa que acontece de dois em dois anos”, refere Carlos Antunes. “É importante que a bienal volte a estar presente, mas é especialmente importante no momento que o mundo atravessa”, diz.

Carlos Antunes defende que, com esta terceira proposta de ocupação, o refeitório do Mosteiro de Santa Clara-a-Nova vem “demonstrar o inesgotável potencial semântico e espacial deste lugar, posicionando-o como um dos mais desafiadores espaços de arte contemporânea em Portugal”. O responsável do CAPC considera que se devia “garantir a possibilidade” de continuar a utilizar o refeitório do mosteiro como sala de acolhimento para exposições e instalações.

Em novembro de 2018, os vereadores da Câmara Municipal de Coimbra aprovaram um protocolo entre autarquia, Estado central e Turismo de Portugal, que estabelecia que parte do edifício — que já então estava integrado no lote dos imóveis do Revive, com objetivo de concessionar para fins turísticos — ficasse afetada à bienal. O documento aprovado não especificava que parte.  


por Camilo Soldado (Texto) e Sérgio Azenha (Fotografia) in Público | 19 de setembro de 2020
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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