Publicações
"Torpor", de Luís Adriano Carlos
Um novo título da coleção elogio da sombra, coordenada por Valter Hugo Mãe e publicada pela Porto Editora.
Luís Adriano Carlos é docente na Faculdade de Letras da U.Porto, com carreira académica como professor de literatura e estética, sua exclusiva atividade profissional até hoje, a par de incursões na crítica, no ensaísmo e na intervenção cultural. Apesar de ser autor de mais de 200 títulos – entre artigos e obras de pendor ensaístico – a sua composição poética é substancialmente mais escassa e esparsa. Esta obra, Torpor, marca um regresso à publicação de poesia e reúne poemas inéditos e dispersos publicados em revistas e obras coletivas, compostos entre 2002 e 2006, data de publicação do seu último livro. Em Torpor a única exceção é Toda a metáfora, poema de 1982 que antecede a publicação do seu primeiro livro, A Mecânica do Sexo XX.
"O modo de Luís Adriano Carlos é a torrente, uma poética de certa demasia em que a função narrativa nos induz ao febril e ao impossível de conter", pode ler-se no texto de Valter Hugo Mãe que acompanha esta obra, em que o sentimento exerce um total (mas subtil) domínio sobre a técnica. "Luís Adriano Carlos não se enquadra nem se arruma no que vá abundante num ou noutro tempo. É um estrangeiro. Caminha na solidão. Também isso é um tesouro."
SOBRE O LIVRO
Torpor
O modo de Luís Adriano Carlos é a torrente, uma poética de certa demasia em que a função narrativa nos induz ao febril e ao impossível de conter. Diz-se por imperativo. Ainda que o sujeito poético seja ansioso na especificação, procurando aclarar, há uma urgência que nos convence também de sua deriva, verdadeiramente fazendo do verso um compulsivo desajuste, fascinado com sua própria encenação do rigor e ávido por entender como caímos, como somos feitos para cair.
O seu poema é um exercício de força, assunção de uma eloquente defesa perante o mistério do mundo e seus propósitos sempre torpes e falhos. Não é possível que retratemos o indivíduo sem abismo, e o que mais me impressiona nestes versos é a denúncia da pessoa como esse lugar do mais obscuro e, ao mesmo tempo, oportunidade de domínio, fúria ou euforia. Pressentimos sempre, perante certa miséria de se ser, a proximidade da revolta, aquela força que chega a ser também formal, dotando o poema de uma grade, uma armadura estrutural que o reforça enquanto inequívoco combate por palavras.
Nunca foi um poeta para as modas, Luís Adriano Carlos não se enquadra nem se arruma no que vá abundante num ou noutro tempo. É um estrangeiro. Caminha na solidão. Também isso é um tesouro.
por Valter Hugo Mãe
Tenho o coração a céu aberto e andam-me no ar os sentimentos,
bate-me o sangue a ritmo incerto no mistério do sentimento aéreo.
À minha volta a vida continua e o tempo circula pelas pedras da rua,
há o transeunte que avança e recua consoante a esperança e a pessoa,
há a própria confiança da vizinhança no lento vento que me leva o sentimento,
há este estar desperto no meio do deserto, de coração aberto a descoberto,
há finalmente a emoção indiferente de me sentir sentido por tanta gente.
Um coração a céu aberto é um coração aflito que bate perto do infinito,
é toda uma vida por viver que do passado me vem na alma de ninguém
como se a voz de um destino atroz e cristalino cheio de amor e desdém.
Bate-me o sangue a ritmo incerto, a certa distância de mim, empedernido e concreto,
e andam-me os sentimentos no ar e não tem fim a sensação de os respirar.
Título: Torpor
Autor: Luís Adriano Carlos
Páginas: 48
PVP: 11,00€
Coleção: elogio da sombra
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SOBRE O AUTOR
Luís Adriano Carlos
Nasceu em 1959. Começou a aprender a difícil arte do verso como letrista de canções. Em 1977, participou na gravação de um disco EP numa editora portuense, como vocalista, instrumentista, letrista e compositor. Só no início do séc. XXI voltaria a retomar o interesse pela criação musical, através do alter-ego Aristoxen, compositor in the box de peças electrónicas em estilo fusion, clássico e experimental.
Em 1983, tendo já difundido poemas dispersamente, estreou-se com um livro de título extravagante, A Mecânica do Sexo XX, logo depois de ter iniciado, na Faculdade de Letras do Porto, a carreira académica como professor de literatura e estética, sua exclusiva actividade profissional até hoje, a par de incursões na crítica, no ensaísmo e na intervenção cultural.
Quando publicou o segundo livro de poemas, Invenção do Problema (1986), soube por um sábio professor entretanto jubilado que não se fazia carreira académica com versos, mas ainda não compreende com que é que se faz. Deu a lume outros livros de poesia até 2006 e agora regressa.
Foi galardoado, por júri de cinco elementos, com o Grande Prémio de Ensaio Literário da Associação Portuguesa de Escritores / Portugal Telecom em 1999, a pretexto de um estudo sobre a fenomenologia do discurso poético. Recebeu outros prémios de ensaio e poesia.
Deu à estampa cerca de duzentos títulos, entre artigos e livros, alguns de outros autores por si editados. Assegura que não escreve poesia com pontualidade. É autor de obras de pintura, uma das suas paixões mais discretas.