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Morreu José Vaz Pereira, um amigo do cinema
Nasceu para a crítica com a geração dos cineclubes, foi colaborador dos jornais Diário de Lisboa, A Capital, Expresso, O Independente e Sete, além de publicista, tradutor, editor, e actor “acidental” no filme de António da Cunha Telles Meus Amigos. Tinha 89 anos.
Os mais cinéfilos lembrar-se-ão da sua presença, discreta mas simpática, no filme Meus Amigos (1974), de António da Cunha Telles, a discutir o futuro pouco auspicioso de toda uma geração de verdes anos sitiada na Lisboa cinzenta do salazarismo, ao lado de actores como Lia Gama, Adelaide João, Manuel Madeira e Pedro Efe, e outras figuras do meio cinematográfico, como o produtor Henrique Espírito Santo ou o exibidor Pedro Bandeira Freire. José Vaz Pereira, cinéfilo, crítico, publicista, morreu no domingo no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, aos 89 anos. A notícia foi confirmada ao PÚBLICO pelo filho Alexandre, segundo o qual o pai sucumbiu a um problema vascular, na sequência de uma doença que o afectava há já algum tempo.
A sua aparição no filme de Cunha Telles foi uma espécie de assinatura afectiva, uma demonstração da sua amizade pelo cinema português, que, na altura da rodagem, no final da Primavera de 1973, antecipava já a mudança de regime. Meus Amigos teve a sua estreia em Março de 1974 e, recorda agora o realizador ao PÚBLICO, a crítica diria depois que se tratava de “um filme sobre o 25 de Abril feito antes do 25 de Abril”. E assim era: abordava “os conflitos que então se verificavam entre as várias tendências ideológicas e o esforço que todos faziam para um entendimento geral necessário para dar uma volta ao país”, acrescenta o cineasta.
O também autor de O Cerco explica ainda que, para fazer o seu filme, escolheu “pessoas que estimava muito pessoalmente”, e que representassem as suas próprias ideias sobre o estado do país. E José Vaz Pereira era uma delas. Fazia então crítica de cinema na revista O Tempo e o Modo e em publicações como Cinéfilo, Jornal do Fundão, Diário de Lisboa e Expresso. A seguir, colaboraria também com A Capital e Diário Popular e com os semanários Sete, O Independente e Visão.
Autodidacta do cinema formado nas sessões dos cineclubes, José Vaz Pereira “defendeu sempre o cinema que valia a pena defender, tinha causas e uma visão do cinema valiosa, sabia separar o trigo do joio”, testemunha José Manuel Costa. Chocado com a notícia da sua morte, mesmo se sabia que se encontrava doente, o director da Cinemateca Portuguesa acrescenta que o crítico “tinha também uma grande elegância no que escrevia e nas posições que tomava”. “José Vaz Pereira era estimado também por isso: sabendo defender causas, nomes e filmes, com veemência e com conhecimento, não caía na polémica fácil”, diz José Manuel Costa, lembrando que, mesmo não tendo trabalhado directamente com a instituição, a Cinemateca deve-lhe “várias décadas de trabalho e de colaboração”. “Ele estava sempre muito presente, principalmente desde que viemos para a [Rua de] Barata Salgueiro, em 1980 – era uma pessoa com quem tínhamos um diálogo muito intenso”, nota, avançando o propósito da instituição de o homenagear proximamente, algo que não fez antes por ter tido conhecimento do seu estado de saúde precário, que não lhe permitiria participar com a presença esperada.
José Fernando Marques da Costa Vaz Pereira nasceu em Valença do Minho a 5 de Maio de 1931. Fez os seus estudos secundários primeiro no Minho (Viana do Castelo e Caminha), depois no Porto e em Lisboa (Colégio Valsassina e Liceu Camões), onde cursou Direito e se fixou. Trabalhou no Banco Totta & Açores, foi director de comunicação da Confederação das Indústrias Portuguesas (CIP) e dividiu a sua actividade profissional de publicitário com a crítica de cinema e de literatura, a tradução e a edição, além da ligação a clubes e instituições como o Centro Nacional de Cultura, de que foi um dos primeiros membros.
por Sérgio C. Andrade, in Público | 31 de agosto de 2020
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público