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O Festival Política pensa sobre o ambiente, o Brasil e os direitos humanos

A quarta edição deste festival multidisciplinar decorre até domingo no Cinema São Jorge, em Lisboa.

A performance Saravá Palavrá DR Concerto do casal queer de performers e músicos brasileiros Venga Venga_Ana Viotti


O ambiente é o grande tema da quarta edição do Festival Política, que, durante os próximos dias, ou seja até domingo, levará ao Cinema São Jorge, em Lisboa, vários eventos em torno das alterações climáticas, do papel do cidadão como força de mudança, dos direitos humanos e da atual situação do Brasil: debates, filmes, conversas, oficinas, exposições, comédia, performances e outras atuações. O festival, que deveria ter acontecido em abril mas acabou por ver-se adiado até agora, passará depois por Braga, de 15 a 17 de outubro, e ainda por Évora, em datas a divulgar.

“As contingências obrigaram-nos a mudar agora para agosto e fizemos só alguns ajustamentos na programação. Continuamos a ser um festival artístico com várias disciplinas que todos os anos debate um tema que consideramos importante”, explica Rui Oliveira Marques, co-diretor artístico do festival, ao PÚBLICO. “Este ano o tema parecia óbvio, a questão do ambiente e da emergência climática, mas se calhar com a entrada da covid-19 ela tornou-se ainda mais importante. Já percebemos que vem aí uma crise económica enorme e estamos a assistir em vários pontos do mundo a conflitos que têm que ver com a crise da covid-19”, continua.

Não é que todos os conteúdos tenham de passar por aí. “Temos este nome provocatório, que quer sublinhar a importância da ação e de as pessoas estarem atentas ao que se passa no mundo. Também somos um festival de direitos humanos, todas estas questões de racismo, homofobia, xenofobia e misoginia aparecem em vários momentos na programação”, nota Rui Oliveira Marques.

O festival arrancou esta quinta-feira com o debate A exploração da gente para a exploração da terra, moderado pelo órgão de informação independente Fumaça, e fecha no domingo, às 21h30, com o filme que ganhou o Prémio Ambiente CineEco 2020, Injustiça, de Cynthia Wade e Sasha Friedlander. Todas as atividades são de entrada gratuita e pretendem-se inclusivas, com legendas e interpretação em linguagem gestual. Do programa constam ainda uma exposição de Carolina Maia que imagina como será o mundo em 2050, uma oficina-concerto com os músicos Chalo Correia e Galiano Neto em que se foca a riqueza material e a riqueza artística de Angola, e comédia com Diogo Faro.

O festival recebeu 1800 submissões internacionais de filmes e já firmou parcerias com o supracitado CineEco, de Seia, e a rede internacional Green Film Network. Este ano, pela primeira vez, será atribuído um prémio de Melhor Filme do Ano, a disputar pelos 17 títulos apresentados. É outra das grandes novidades, a par da existência de um país-foco. A secção dedicada ao Brasil “nasceu pelo tema em causa”, que remete, conta Rui Oliveira Marques, “logo para a Amazónia”, tal como “política remete para [Jair] Bolsonaro”.

“Vamos ter vários momentos de reflexão sobre o momento que o Brasil está a atravessar, em termos políticos e ambientais, através de brasileiros que estão a viver em Portugal e vão participar nos debates, como também em vários momentos artísticos”, resume o diretor do Política. Deste bloco, destaca Saravá Palavrá, “performance com música” de Viton Araújo, André Dez e Marisa Paul, a atuação do duo queer de baile surrealista Venga Venga, e Beleza Como Vingança, da dupla Tita Maravilha e Cigarra, que foca “a questão da mulher, do corpo e da misoginia”. “Vai acabar por ser um palco para uma série de artistas brasileiros que, por razões diversas, mas muito por questões políticas, estão agora a viver no nosso país”, conta o organizador.

Um manifesto anti-racista 

Um dos filmes que o Festival Política exibirá este ano é a curta-metragem Eu não sou Pilatus, do luso-guineense Welket Bungué, que é mais conhecido como ator, tendo sido nomeado este ano para os Prémios Alemães de Cinema, mas que também é argumentista e realizador de curtas-metragens. Diferente do seu trabalho habitual, este vídeo-manifesto que passou no DocLisboa do ano passado alterna entre dois registos amadores captados em 2019, um da repressão policial no Bairro da Jamaica e outro de uma mulher durante uma manifestaçãona mesma Avenida da Liberdade em que o filme será agora mostrado. A mulher, anónima, que fez um direto no Facebook, tem um discurso abertamente racista e supremacista branco, e Welket vai repetindo certos trechos do vídeo, por vezes manipulando o tom para enfatizar o ridículo da narração.

"É uma pessoa que vai à manifestação para lá disseminar este tipo de pensamento que corrói e destrói todo um trabalho de coesão pró-democracia que se tem vindo a criar desde o 25 de Abril”, explica ao PÚBLICO o realizador, que rejeita completamente o rótulo de activista. “É um manifesto para eu, enquanto artista, mostrar a desaprovação total em relação a este tipo de discurso. Tenho de a expor interventivamente, como peça artística, para que as pessoas partilhem a mesma indignação”, diz. Datado de 2019, é um trabalho que continua atual – talvez cada vez mais. 


por Rodrigo Nogueira in Público | 13 de agosto de 2020
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público
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