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Nos gráficos de Gonçalo M. Tavares, a estatística é reduzida ao caso particular
Gráficos das Cidades e das Coisas estreou mas ainda está em processo de criação. Até julho, o Teatro Viriato vai publicar semanalmente o trabalho do escritor português.
Uma mulher que não se esquece de regar as plantas da vizinha já morta, o tipo de nuvens por cima de cidades, de desertos ou de homens corajosos, o nível de ansiedade de pessoas, cães, plantas e objetos. Os indicadores que Gonçalo M. Tavares acompanha não respondem às regras da estatística convencional, antes as subvertem.
Em Gráficos das Cidades e das Coisas, a nova criação do escritor para o Teatro Viriato, Gonçalo M. Tavares quer contar histórias com esse elemento visual que, em tempos de pandemia, se tornou omnipresente. Está interessado em “cruzar a estatísticas com o caso pessoal”, como se essa representação estatística pudesse mostrar um caso singular, “como se, numa questão muito visual, estivéssemos a ver uma micro-história”, diz ao PÚBLICO.
Por agora, é apenas um começo de conversa, um início de projeto que se traduz na publicação de cinco gráficos e respetivas legendas — um por cada dia útil da semana — todas as segundas-feiras, até julho, no novo blogue do teatro de Viseu, Sala de Ensaios, que nasceu para tornar visível o processo criativo. O primeiro conjunto foi publicado nesta segunda-feira, o que significa, no fundo, uma estreia de uma obra em construção, explica a diretora do Viriato, Patrícia Portela.
O motivo para uma criação a partir de gráficos imaginários não reside propriamente na pandemia. “Começou antes, é um gosto antigo pela questão matemática”, explica Gonçalo M. Tavares, embora conceda que a proliferação de gráficos que guiam as nossas vidas de há uns meses para cá possa ter “criado uma vontade maior de avançar”. Seguiu-se a conversa com Patrícia Portela, que vê neste projeto a possibilidade “de resgatar um formato para o injetar com poesia”.
“A ideia é que comece a crescer para outros formatos”, diz a diretora. Para já, há a publicação semanal, uma “estreia de uma obra em processo de criação”. “É uma coisa muito rara de se ver, sobretudo num escritor”, acrescenta. É também uma forma de tornar visível um processo normalmente invisível, numa altura em que mesmo a face mais visível do trabalho de artistas e técnicos foi forçada a migrar para meios alternativos, nos melhores dos casos, ou a parar.
A embarcação e o leme
Gonçalo M. Tavares quer trabalhar a possibilidade de transformar os gráficos em movimento. “Vejo isto como algo que pode resultar em pequeno gestos, em pequenas situações teatrais ou de performance”. Tudo o resto está ainda em aberto.
O formato final do trabalho para o qual contribui o conjunto de gráficos é ainda incerto. Há-de ganhar forma em 2021. Até lá, serão envolvidos outros artistas e outras instituições, refere Patrícia Portela: “O Gonçalo é que está ao leme. Nós criámos a embarcação, a forma de tornar isto possível. É o início de um trabalho que não sabemos onde vai parar. Pode ser um livro, uma instalação, um espectáculo, tudo... o que sabemos é que vai acontecer”.
Gráficos das Cidades e das Coisas é o primeiro que inaugura o blogue do Teatro Viriato, criado para mostrar os bastidores da criação, para que o público possa “ir mais longe na compreensão da obra”, descreve a Patrícia Portela. Artistas que venham apresentar espectáculos na sala física de Viseu poderão ter ali, no blogue, uma forma de mostrar o que os levou ao resultado final, seja uma bibliografia ou uma entrevista que tenham feito em fase de pesquisa.
Patrícia Portela chegou à direção do Viriato pouco tempo antes de o novo coronavírus obrigar grande parte do país a fechar-se em casa. Com ele, fecharam também as salas de espetáculos que deverão reabrir a 1 de junho. Muitas delas, pelo menos. Outros não terão condições financeiras para o fazer, aponta a responsável. “Precisamente por sermos um teatro apoiado pelo Estado e pelo município, temos a obrigação de estar abertos, da mesma maneira que uma farmácia”, considera.
O regresso ao edifício do teatro será feito com os espetáculos que já estavam previstos para o próximo mês, cumprindo as regras da terceira fase do plano de desconfinamento do Governo. “Em março, a partir do momento em que fechámos, reabrimos com outra programação”, refere Patrícia Portela, para explicar que, se o edifício físico fechou portas, o trabalho artístico continuou, com novas criações adaptadas ao confinamento e ao distanciamento que implicou. Neste momento, a principal preocupação é a acessibilidade: “Criámos plataformas digitais para os que não podem ir ao teatro, mas também dá para criar espaço para vir ao teatro quando não se tem acesso a um computador. Não há só uma fórmula”, afirma, antevendo um “ano complicado” que vai obrigar a repensar formatos. “Vamos ter que nos reinventar, mas isso foi o que sempre fizemos”, diz.
por Camilo Soldado in Público | 27 de maio de 2020
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público