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Vila literária sem leitores obriga livrarias de Óbidos a procurar soluções

Trabalho em rede e apoio das autarquias e de outras entidades públicas poderá contribuir para a sobrevivência das livrarias independentes. Em Óbidos há 11 destes espaços em suspenso por causa da pandemia.

Uma das mais emblemáticas livrarias de Óbidos, a de Santiago, instalada numa antiga igreja_Rui Gaudêncio A Livraria do Mercado é na rua principal e uma das mais procuradas da vila_Rui Gaudêncio


De portas fechadas há um mês, as 11 livrarias de Óbidos repensam estratégias para “dar a volta” à crise que afastou leitores e turistas da vila literária com milhares de livros à venda, mas agora sem ninguém que os compre.

Sete anos depois de ter aberto as primeiras oito livrarias em Óbidos, José Pinho, da Livraria Ler Devagar, traça “cenários”, trimestre a trimestre, para manter em funcionamento espaços tão diversos como um mercado biológico ou uma igreja transformada em livraria.

“Muitas destas livrarias dependem 80 ou 90% do turismo, que, mesmo depois de reabrirmos, vai demorar a retomar os seus fluxos”, diz o livreiro que vai seguindo o evoluir da pandemia para definir as medidas que permitam manter o negócio.

Com seis trabalhadores em lay-off em Óbidos, e mais 13 em Lisboa, na Ler Devagar da LX  Factory, José Pinho discute com os acionistas da empresa “um aumento de capital, na ordem dos 100 mil euros”. Dito assim pode parecer muito, mas na realidade trata-se de um aumento de capital “em que cada um dos 147 acionistas entra com o que pode, uns com mil euros, outros com mais, outros com menos”, explica.

Depois de “20 anos a pagar para trabalhar”, José Pinho recusa qualquer apoio às livrarias “que não seja a fundo perdido”, sustentando que, “se os livreiros tiverem de pedir um empréstimo, é a morte do artista”.

Mafalda Milhões, que há 12 anos transformou a escola primária dos Casais Brancos, uma aldeia do concelho, na livraria Bichinho do Conto, sabe-o bem. “Os problemas no mercado livreiro não são de agora” afirma, lembrando já ter passado pela crise económica de 2008, que levou à falência de tantas livrarias, e da qual, as que ficaram, estão ainda a recuperar.

Na Bichinho do Conto, um projeto familiar, a resposta à crise fez-se com um serviço assente na filosofia de que o que faz uma livraria não é ser uma porta aberta para vender livros, mas um espaço “de partilha entre livreiros, autores e leitores, onde se contam histórias, que vive da relação entre as pessoas”, conta Mafalda.

Enquanto responsável pelo projeto, Mafalda Milhões tem investido nele, ao longo dos anos, parte do dinheiro que ganha com a ilustração ou com as formações e curadorias que vai realizando no país e no estrangeiro.

Em tempo de confinamento imposto pela pandemia, continua em casa as ilustrações e a preparação de edições e de projetos que hão-de avançar quando o vírus permitir o regresso à atividade.

“Desistir jamais”, diz Mafalda para quem “as livrarias são projetos de vida e de resistência”, defendendo que os livreiros “têm de ser proactivos e arranjar soluções”.

Luís Gomes, Alfarrabista, já o faz desde que em Junho de 2019 transferiu a Artes & Letras, despejada do Chiado, em Lisboa, para a livraria da Adega, em Óbidos, onde dá continuidade ao negócio de 30 anos.

“A estratégia foi reduzir custos para nos adaptarmos à magreza do negócio”, lembra o alfarrabista que na vila literária conseguiu, por parte da autarquia, “condições bastante simpáticas” e que, desde o início da pandemia, está isento do pagamento de rendas.

Com a livraria fechada, é a partir de casa que mantém a relação com os clientes de sempre. “Escrevo cartas a informar sobre os livros que sei que lhe podem interessar, a outros telefono, vamos sabendo uns dos outros, porque na Artes e Letras as pessoas entram clientes e saem amigos”, conta. Já o futuro é uma incógnita.

“Temos de esperar pelo fim da pandemia e pensar bem se vale a pena continuar, se temos de nos adaptar a novas realidades e novas tecnologias”, afirma, mantendo que, em todo o caso, a Artes & Letras terá sempre que “ser um projeto de interesse para a comunidade local”.

É por isso que os três livreiros defendem que as autarquias contribuam para a sobrevivência destes espaços, dando respostas que podem passar “pela aquisição de livros para as bibliotecas e instituições concelhias” ou pela encomenda de eventos ligados ao livro, “em que as pessoas que os desenvolvem e os autores sejam pagos”.

A necessidade de medidas para responder à crise levou à criação da Rede de Livrarias Independentes (RELI), que, numa carta aberta subscrita por mais de meia centena de livreiros de todo o país, propôs ao Governo e autarquias iniciativas de apoio como campanhas de promoções, feiras do livro e lançamentos, compras institucionais e ajudas ao pagamento das rendas e seguros de salários, para garantir um rendimento mínimo aos livreiros. Óbidos tem o Folio, o festival literário que é já uma das suas imagens de marca.

A construção de um site com venda online e georreferenciação das livrarias aderentes à RELI é outras das soluções que os livreiros estão a equacionar para responder às dificuldades.

Mas em tempo de pandemia, defende Mafalda Milhões, “o sector também tem de aproveitar para repensar questões éticas e exigir outro caminho”, que passe pela obrigatoriedade de instituir preços fixos para os livros, impedindo as grandes cadeias de fazer descontos superiores à margem dada pelas editoras aos livreiros.

Óbidos, Vila Literária faz parte da rede das cidades criativas da organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO, na sigla inglesa), desde 2015.


por Lusa e Público | 20 de abril de 2020
notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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