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Morreu o escritor Luis Sepúlveda
O escritor chileno, autor de obras como "O Velho que Lia Romances de Amor" e "História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar" morreu esta quinta-feira, vítima de covid-19.
Tinha 70 anos. A notícia é avançada pela agência Efe e foi confirmada pela Porto Editora, que representa o autor em Portugal.
A editora já expressou o seu voto de pesar pela morte do escritor através de um comunicado enviado às redações.
Sepúlveda morreu no Hospital Universitário Central das Astúrias (Oviedo), onde estava internado desde o final de fevereiro. O autor foi hospitalizado poucos dias depois de ter estado em Portugal, na Póvoa de Varzim, onde participou no festival Correntes d'Escritas.
Também a mulher, de 66 anos, foi internada devido à doença.
Inicialmente, o escritor terá dado entrada num centro de saúde privado, em Gijón, onde foi diagnosticado com pneumonia aguda. Contudo, depois dos exames, a 29 de fevereiro, confirmou-se estar infetado com covid-19.
Luis Sepúlveda, escritor, argumentista e diretor de cinema chileno, vivia em Gijón (Astúrias) desde 1997.
Na nota da Porto Editora é lembrado que o autor chileno era presença assídua na Feira do Livro de Lisboa, em sessões de autógrafos onde era bem visível o carinho do público português pelos seus romances.
Sepúlveda esteve presente em quase todas as 21 edições do Festival Correntes d"Escritas, na Póvoa do Varzim, a última das quais entre 18 e 23 de fevereiro de 2020.
"A 29 de fevereiro foi diagnosticado com a doença COVID-19, naquele que seria o primeiro caso de infeção nas Astúrias, e consequentemente internado no Hospital Universitário Central de Astúrias, onde veio a falecer, aos 70 anos de idade", refere a Porto Editora.
"À família e aos amigos de "Lucho" (como carinhosamente era tratado) e a todos os seus leitores endereçamos as mais sinceras e sentidas condolências por tão grande perda", diz ainda o comunicado.
Filho de um militante comunista e de uma enfermeira
Luis Sepúlveda nasceu em Ovalle, no Chile, a 4 de outubro de 1949. O seu pai era militante do Partido Comunista e proprietário de um restaurante. A mãe era enfermeira e tinha origens mapuche. Cresceu no bairro San Miguel de Santiago e estudou no Instituto Nacional, onde começou a escrever por influência de uma professora de História.
Aos 15 anos ingressou na Juventude Comunista do Chile, da qual foi expulso em 1968. Depois disso, militou no Exército de Libertação Nacional do Partido Socialista. Após os estudos secundários, ingressou na Escola de Teatro da Universidade de Chile, da qual chegou a ser diretor. Anos mais tarde, licenciou-se em Ciências da Comunicação pela Universidade de Heidelberg, na Alemanha.
Da sua vasta obra - toda ela traduzida em Portugal -, destacam-se os romances "O Velho que Lia Romances de Amor" e "História de uma Gaivota e do Gato que a Ensinou a Voar". Mas todos os seus livros conquistaram em todo o mundo a admiração de milhões de leitores.
Em 2016, recebeu o Prémio Eduardo Lourenço - que visa galardoar personalidades ou instituições com intervenção relevante no âmbito da cooperação e da cultura ibérica -, uma honra de definiu como «uma emoção muito especial».
Para além de romancista, foi realizador, roteirista, jornalista e ativista político. Em 1970 venceu o Prémio Casa das Américas pelo seu primeiro livro, "Crónicas de Pedro Nadie", e também uma bolsa de estudo de cinco anos na Universidade Lomonosov de Moscovo.
No entanto, só ficaria cinco meses na capital soviética, uma vez que foi expulso da universidade por "atentado à moral proletária".
Membro ativo da Unidade Popular chilena nos anos 70, teve de abandonar o país após o golpe militar de Augusto Pinochet.
Viajou e trabalhou no Brasil, Uruguai, Bolívia, Paraguai e Peru. Viveu no Equador entre os índios Shuar, participando numa missão de estudo da UNESCO. Em 1979 alistou-se nas fileiras sandinistas, na Brigada Internacional Simon Bolívar, que lutava contra a ditadura de Anastácio Somoza. Depois da vitória da revolução sandinista, trabalhou como repórter.
Em 1982 rumou a Hamburgo, movido pela sua paixão pela literatura alemã. Nos 14 anos em que lá viveu, alinhou no movimento ecologista e, enquanto correspondente da Greenpeace, atravessou os mares do mundo, entre 1983 e 1988.
Em 1997, instalou-se em Gijón (Astúrias), em Espanha, na companhia da mulher, a poetisa Carmen Yáñez. Nesta cidade fundou e dirigiu o Salão do Livro Ibero-americano, destinado a promover o encontro de escritores, editores e livreiros latino-americanos com os seus homólogos europeus.
Luis Sepúlveda vendeu mais de 18 milhões de exemplares em todo o mundo e as suas obras estão traduzidas em mais de 60 idiomas.
As mensagens para o "querido Lucho"
"As histórias dele eram sempre as mais incríveis"
«Recebo com choque a notícia do desaparecimento deste amigo. E passam-me pela cabeça estes quase vinte anos de encontros em várias partes do mundo, também as histórias partilhadas depois dos jantares na sua casa, em Gijón. As histórias dele, ainda no Chile ou já na Europa, eram sempre as mais incríveis. Amado pelos leitores e pelos amigos: não me recordo de melhor prémio para um escritor e um homem como ele, generoso na escrita e na vida, combativo, sonhador, resistente. Lucho era o nome pelo qual gostava de ser tratado pelos amigos. Por isso, agora, não consigo chamar-lhe outro nome. Querido Lucho.» (José Luís Peixoto, escritor).
"O nosso abraço será para sempre"
«Foi por causa das Correntes d'Escritas que conheci o Luis Sepúlveda. Ficámos amigos. Despedimo-nos, como sempre, com um abraço, nas últimas Correntes. Recuso-me a aceitar que foi o último. Não foi. O nosso abraço será para sempre. O Luis Sepúlveda - Lucho para os amigos - foi e será sempre uma inspiração. Jamais esquecerei a sua generosidade. Na Literatura como na vida. O Lucho é um dos meus imortais.» (Manuela Ribeiro, organização do festival literário Correntes d'Escritas).
"Uma vida vivida no fio da navalha"
«Bruxelas, 1991 - Anne Marie Métailié passou-me para as mãos as fotocópias de um livro chileno que acabava de ler. Estava tão entusiasmada que sentia medo do seu sentimento transbordante como editora. Pedia-me que lesse aquelas folhas e lhe dissesse o que pensava. Li durante uma noite esse livro. Era simplesmente "El viejo que leía novelas de amor". O meu entusiasmo não era menor do que o de Anne-Marie. Nesse segundo encontro, que aconteceu no dia seguinte, Anne -Marie já tinha decidido. Durante aquela noite, tinha começado uma aventura maravilhosa no mundo da edição. Luis Sepúlveda iria transforma-se num dos escritores mais queridos das últimas décadas.
O que tem a escrita de Luis Sepúlveda de tão singular e atraente? O testemunho de uma experiência de vida vivida no fio da navalha que lhe deu a dimensão dos movimentos subterrâneos que determinam a mudança do mundo, e por isso o seu olhar é político. E uma ternura absoluta pelos seres da Terra que lhe permite uma efabulação fantástica em que pássaros, cães, baleias, confraternizam com os seres humanos no mesmo reino da Criação. Por isso as páginas de Luis Sepúlveda, escritas para auditórios de todas as idades, estão repletas de fábulas ora violentas ora mansas, mas sempre tocadas por uma singular arte de contar. Luis Sepúlveda é um contador maior. Os seus livros são joias preciosas, marcados pela terra sul-americana que lhe deu origem, pela língua espanhola que lhe deu a plasticidade vigorosa da narrativa, e sobretudo pelo cunho de criador incomum, que lhe permite ser traduzido e amado em todas as línguas.» (Lídia Jorge, escritora).
por Paula Freitas Ferreira, in Diário de Notícias | 16 de abril de 2020
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias