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Noronha da Costa, o pintor da imaterialidade

O Centro Nacional de Cultura contou sempre com a amizade e a cumplicidade de Noronha da Costa a que procuramos corresponder com estima e admiração.


Luís Noronha da Costa é uma referência fundamental no panorama artístico português no século XX.  Inconfundível no estilo e na originalidade será sempre um marco, que os melhores críticos reconhecem como indiscutível. A névoa que caracteriza os seus quadros, em lugar de ocultar revela, exprime, caracteriza. E como a arte não se explica, sente-se - a obra do artista torna-se presença e espelho. Dir-se-ia que a natureza é reinterpretada nesse alo, nessa visão translúcida que nos atrai e leva a refletir!

 O CNC homenageia o grande artista apresenta sentidas condolências à família.



Noronha da Costa, o pintor da imaterialidade

O pintor Luís Noronha da Costa deixa uma obra coerente e única no âmbito da arte contemporânea portuguesa.

“É como se eu entrasse dentro da matéria da pintura para ver o que se esconde no fundo”, disse-nos uma vez Noronha da Costa, a propósito das suas pinturas feitas a aerógrafo, quase imateriais, que pareciam desvelar figuras ou naturezas-mortas de outros tempos. “A partir daí, a partir do momento em que essa busca pela essência da perceção se torna o tema fundamental da minha obra, o que é representado é pouco importante”, acrescentou.


Nessa altura, nos começos da década de 80, Luís Noronha da Costa possuía por direito próprio um lugar de primazia no meio artístico português – o que valeria a atribuição do Prémio AICA (Associação Internacional dos Críticos de Arte), o mais prestigiado prémio artístico em Portugal em 1983.

Nascera em 1942, em Lisboa, numa família aristocrática, e formou-se nos anos 60 em arquitetura, que ainda veio a exercer. Preferia contudo a prática artística, e em 1962 realizava já três exposições individuais, em Lisboa, Munique e Paris. Três anos depois fazia nova individual em Lisboa, agora na Galeria 111, intitulada Paisagens, e ainda uma outra exposição na Galeria Quadrante, esta de Objetos e colagens que era apresentada por José-Augusto França, um dos primeiros e mais importantes críticos de arte portugueses. O mesmo crítico convidá-lo-ia em 1971 a integrar o leque de artistas que decoraram o café A Brasileira, em Lisboa.

Esses objetos de que o título daquela exposição falava consistiam em “assemblages” de elementos diversos, como espelhos, vidros foscos ou transparentes, um foco de luz ou alguma silhueta pintada a aerógrafo, que convocavam o conceito de pintura através da história. Profundidade, cor, forma, perspetiva e sobretudo a perceção do quadro — que é sempre o contributo do observador para o entendimento da obra — eram desmontados e reconstruídos, um pouco à maneira de um puzzle, em cada obra exposta.

Noronha da Costa nunca deixou que esta incessante procura da própria essência da pintura deixasse de lado os modos como os diferentes tempos e épocas históricas a tinham encarado. As suas imagens fantomáticas e quase espectrais, que mostrou preferir a todas as outras a partir da década de 80, revelam isso mesmo: a tentativa de um corte perpendicular na história, entre o presente e o passado, como se fosse possível olhar através de uma pintura impressionista, por exemplo, e descobrir o que se passa (mesmo conceptualmente) entre a fina superfície visível e o fundo da tela virgem que a suporta.

Um dos grandes interesses de Noronha da Costa, para além da pintura, era o cinema, essa arte produtora de imagens fantomáticas por excelência. É sua a grande tela que encima a escadaria de entrada na Cinemateca de Lisboa, como era sua uma outra pintura que decorava o foyer do antigo cinema Londres, também em Lisboa.

Logo em 1969 dava a uma individual sua o título de Magritte após Polanski (Galeria Quadrum). O cinema, bem como as características formais da imagem fílmica analógica (repetição, formato retangular, enquadramento, abertura /fechamento da lente e suas consequências na imagem filmada, entre outras) cativaram obviamente a sua atenção, fosse em séries que reproduziam a qualidade serial da fita de cinema, fosse pela apropriação e reprodução de imagens impressas relativas a determinados filmes, como por exemplo Nosferatu, de Murnau. Mais tarde, já no virar para a década de 80, haveria obviamente de se interessar pelas imagens holográficas.

Noronha da Costa realizou incontáveis exposições individuais na Europa, nos Estados Unidos e em Macau. Participou em importantes coletivas, como a Alternativa Zero, organizada por Ernesto de Sousa em 1977; a representação portuguesa à 34.ª Bienal de Veneza, com curadoria de Fernando Pernes; e a História Trágico-Marítima na SNBA, em Lisboa. Teve duas grandes antológicas: em 1983, na Fundação Calouste Gulbenkian, que teve catálogo com textos de J.-A. França, H. Wohl, Jean Paris e Eduardo Lourenço, e Noronha da Costa revisitado (1965-1983), no Centro Cultural de Belém, em 2003, com curadoria de Nuno Faria e Miguel Wandschneider.

Em 2017, uma antológica sua, organizada por Bernardo Pinto de Almeida, colocava em diálogo a sua obra com as decorações da Casa Museu Medeiros e Almeida, também em Lisboa. No mesmo ano, Modos do olhar, na Fundação D. Luís I, realizava uma apresentação do núcleo de obras deste artista integradas na Coleção Millennium BCP.

Noronha da Costa está representado em todos os museus de arte contemporânea nacionais, bem como nas mais importantes coleções de arte privadas.

Muito doente há anos, inquieto pela falta de ocasiões para expor a sua obra, Noronha da Costa morreu numa unidade hospitalar de Lisboa. 


por Luísa Soares de Oliveira in Público | 9 de abril de 2020
notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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