"É de Cultura como instrumento para a felicidade, como arma para o civismo, como via para o entendimento dos povos que vos quero falar"

Notícias

Como pode a Cultura ajudar… por Guilherme d'Oliveira Martins

Nas atuais circunstâncias, haverá tendência para dar mil conselhos e apresentar receitas. O melhor, porém, é seguirmos os ensinamentos da prudência..

Mosteiro de Alcobaça


Estamos em tempo de guerra, no qual não se limpam armas. Temos de reconhecer que sabemos muito pouco desta epidemia, e que só a prevenção e a tentativa de romper o circuito infernal da transmissão do vírus poderá ter resultados. Participamos num jogo da cabra-cega em que todos temos os olhos vendados e temos de estar cientes disso mesmo. Com as escolas fechadas, com a economia e a sociedade em suspenso, temos de usar do melhor modo possível os meios que temos ao nosso alcance. A atividade desenvolve-se de modo diferente do habitual, mas não podemos cruzar os braços. O que tem de ser feito, não pode ficar por fazer. O crescimento económico sem dúvida será afetado, a criação imediata de riqueza também, mas temos de pensar no desenvolvimento humano, em salvar vidas e proteger a saúde pública. Deveremos tomar consciência de que a sociedade e a economia têm de dar prioridade absoluta às pessoas. Ao medo devemos saber contrapor o sentido da responsabilidade, a atenção e o cuidado.

O verdadeiro desenvolvimento humano, numa perspetiva de “ecologia integral” (usemos a palavra sustentável) parte da ideia essencial de que os bens que recebemos para administrar são sempre uma responsabilidade partilhada por todos – como nos diz o Papa Francisco na encíclica “Laudato Si’”. Devemos agir em conformidade. José Gil afirmou há pouco que esta crise antecipa (e deve preparar-nos) as grandes ameaças ambientais. Tem razão. Sejamos, pois, práticos, coloquemo-nos do lado das soluções. O ensino a distância deve ser aproveitado para reforçar os elos entre escola-família-comunidade. E a cultura (a música, as artes, o pensamento, o conhecimento em geral…) pode transmitir-se através dos meios digitais. Há que apoiar tais iniciativas. Não se trata de interromper a sociedade, a economia e a democracia, mas de encontrar caminhos para reforçar a importância da solidariedade voluntária. O consumismo desenvolveu o imediatismo e o desperdício. Sofremos esses efeitos. Como ficou claro na crise de 2008, a indiferença relativamente aos outros foi evidente, a crise dos refugiados alargou-a, a tecnologia tornou-se um fim e não um meio, a ilusão ocupou o lugar da verdade e da boa informação. A complexidade e o rigor são incompatíveis com a lógica sincopada do “twitter”. Ter tempo para pensar é fundamental. A comunicação social de qualidade sabe-o bem. Mas estamos a sofrer as consequências de uma atitude perniciosa que se mantém, a do primado do imediato e da indiferença. É verdade que há sinais de responsabilidade cívica, mas mesmo aí deveremos ser muito exigentes uns com os outros.

Eis por que razão importa lembrar o seguinte:
(a) Perante esta situação inesperada, mas suscetível de se repetir noutras circunstâncias, importa compreender que a sociedade contemporânea é dominada pela complexidade e pela coexistência de fatores múltiplos que determinam a evolução dos acontecimentos;
(b) Só a compreensão da importância da cultura, enquanto memória e experiência, poderá permitir dar à economia um sentido que ponha em primeiro lugar o desenvolvimento humano, devendo o crescimento sustentável garantir uma partilha justa dos recursos e uma equidade intergeracional;
(c) Falar de cultura significa associar as humanidades à ciência e à educação, não podendo dissociar-se esses três fatores dos quais depende o progresso, a qualidade de vida e a emancipação social e pessoal;
(d) Longe de ser um luxo, a cultura pressupõe a capacidade de criar e de inovar, que tem a ver com a capacidade do artista, com as qualidades do cientista, com a força mobilizadora do cidadão ou com o afeto do cuidador;
(e) Numa emergência como a atual, importa tirar as lições das experiências em curso: o teletrabalho e a ligação em rede poderão abrir novas perspetivas no tocante à coesão social, à entreajuda, à inclusão e à partilha de recursos;
(f) A valorização da cultura determina a recusa do espontaneísmo, a necessidade de planeamento, o reconhecimento da importância da aprendizagem e do rigor sem o que as consequências são dramáticas (como temos visto nos casos da epidemia descontrolada);
(g) A cultura é, de facto, transversal, liga a sociedade toda na sua diversidade, exige a educação de qualidade para todos, coloca a aprendizagem no centro do desenvolvimento e obriga a distinguir meios e fins, tecnologia e saber, informação e conhecimento. Se parece que vivemos uma estranha aventura de ficção e se tomamos consciência de que podemos usar melhor o nosso tempo e os nossos recursos urge entender como a cultura pode ajudar…

publicado no Jornal Público, a 23 de março de 2020.

Agenda
Ver mais eventos

Passatempos

Passatempo

Ganhe convites para a antestreia do filme "Memória"

Em parceria com a Films4You, oferecemos convites duplos para a antestreia do drama emocional protagonizado por Jessica Chastain, "MEMÓRIA", sobre uma assistente social cuja vida muda completamente após um reencontro inesperado com um antigo colega do secundário, revelando segredos do passado e novos caminhos para o futuro.

Visitas
93,819,988