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"a oratória dos mansos" de Jorge Melícias

Um conjunto de poemas inéditos e uma rigorosa reunião da poesia já publicada pelo autor no novo título da coleção elogio da sombra.


Já chegou às livrarias de todo o país a oratória dos mansos, de Jorge Melícias, segundo volume do Ano 2 da elogio da sombra, coleção de poesia publicada pela Porto Editora com curadoria de Valter Hugo Mãe.

Para lá de uma exigente reunião da poesia do autor, a oratória dos mansos conta também com um livro de inéditos, eu morrerei deste século às mãos de quem?. Composto por sonetos, este livro é descrito por Valter Hugo Mãe como "surpreendente poemário, descolado do poeta que foi, sem se negar, dessacraliza o verso, assumindo-o enquanto performático".

Para o curador da coleção, a obra de Jorge Melícias é como "(…) uma fúria concêntrica, reduzindo o espectro do que é possível dizer para abarcar apenas uma essência de pendor utópico e já tão eloquente quanto louca".

Além da sua extensa produção poética, Jorge Melícias tem também sido responsável por traduzir para português a obra de vários autores, entre os quais Saint-John Perse, Leopoldo María Panero, Rosario Castellanos ou ainda Martín López-Vega. 

A obra de Jorge Melícias é uma fúria concêntrica, reduzindo o espectro do que é possível dizer para abarcar apenas uma essência de pendor utópico e já tão eloquente quanto louca. A visão lúcida do sentido do mundo é inevitavelmente perto do abismo, onde tudo se perde, a começar pela glória do conhecimento. Conhecer e ignorar encontram-se, estados iguais, como condenação de regresso ao início de todas as coisas ou confirmação de imprestabilidade.

Agora que reúne a sua obra na mais severa e rigorosa edição, Melícias junta dois inéditos, onde adensa e depura o que já reconhecemos, com "a oratória dos mansos", e denuncia uma inversão, com "eu morrerei deste século às mãos de quem?". Neste último e surpreendente poemário, descolado do poeta que foi, sem se negar, dessacraliza o verso, assumindo-o enquanto performático. Nunca se desmascarou tanto. Jogando com a fantasia e permitindo que esta seja sincera: uma mentira ou ilusão, um artifício, e já nunca uma captura da voz de Deus.

Os poetas são feitos de sua tese e seu contrário. Nem que a perversão do que escreveram fique apenas nas mãos de quem os lê, o certo é que essa perversão é parte da obra, pressentida no primeiro vocábulo. Agora, Jorge Melícias toma em sua própria mão tal ofício. Aqui vai o verso e seu perverso. No fundo, o que sempre se pressentiu, porque nenhuma utopia deixa de estar à mercê da ternura e da corrupção. Assim a vida.

Valter Hugo Mãe 

Que sequaz ou régulo

Que sequaz ou régulo
sujeitará o meu desdém?
Eu morrerei deste século
às mãos de quem?

Quem de entre vós,
desagravando o meu peso,
me elevará a algoz
do meu próprio desprezo?

Quem me jogará a sorte?
A que émulo do meu émulo
deverei eu o que me devo?

Ser da minha morte
o inteiro asco do meu século
e do meu século por fim coevo. 


Jorge Melícias

Nasceu em 1970. Autor de vários livros de poesia de que destacamos as recolhas disrupção (2009), alvídrio (2013) e hybris (2015).

Como tradutor, verteu para português, entre outros, Saint-John Perse, Leopoldo María Panero, Antonio Gamoneda, Miriam Reyes, Hugo Mujica, María Negroni, Saint-Pol-Roux, Rosario Castellanos, José Antonio Ramos Sucre, Martín López-Vega, Julio Llamazares, José Sbarra, uma Antologia da poesia cubana contemporânea e uma Antologia de poetas suicidas de língua espanhola, mortos entre o princípio do séc. XX e o princípio do séc. XXI.

Poemas do autor encontram-se traduzidos para línguas como o espanhol, o inglês, o francês, o finlandês, o servo-croata, o letão ou o lituano e publicados em várias antologias e revistas, nacionais e estrangeiras, como a Inimigo Rumor, a Confraria do Vento, a Zunái ou a Coyote (no Brasil), a Literatura ir Menas ou a Naujoji Romuva, de Vilnius, a 26, studies of poetry and poetics, ou a 2nd Mind, de São Francisco.

Encontra-se representado em algumas das mais importantes recolhas nacionais, como o volume lançado em 2010, pela Porto Editora, Poemas Portugueses – Antologia da poesia portuguesa do Séc. XIII ao Séc. XXI –, e em algumas recolhas internacionais como a Antologia Photomaton – nueva lírica portuguesa (2012, Casa Editorial HUM, Montevideo) e a Antologia Aquí, en esta Babilonia (2018, Amargord Ediciones, Madrid).

Um livro de ensaios sobre a sua poesia, intitulado A poesia do excesso – rumo às vísceras de Jorge Melícias, foi editado em 2011, no Brasil, pela TodaPalavra Editora.

Uma recolha de três dos seus livros, sob o título Disruption, saiu nos E.U.A, pela editora Durationpress, de Los Angeles. 
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