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Espetáculo "Vidas Íntimas": Uma cáustica análise do casamento

Jorge Silva Melo encena uma comédia de Noël Coward sobre casais e divórcios, com Rita Durão e Rúben Gomes. De quarta a domingo, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

Rúben Gomes e Rita Durão.© Direitos reservados/ Jorge Gonçalves Rúben Gomes e Rita Durão.© Direitos reservados/ Jorge Gonçalves Rúben Gomes e Rita Durão, Vânia Rodrigues e Tiago Matias.© Direitos reservados/ Jorge Gonçalves


Elyot e Amanda foram casados durante três anos mas acabaram por se divorciar. Agora, estão a começar novas vidas. Casaram-se novamente e vão em lua-de-mel. Mas o que nenhum deles poderia imaginar é que se iriam encontrar no mesmo hotel. Um casal num quarto, outro no quarto ao lado. Varanda com varanda. Este é o ponto de partida para Vidas Íntimas (Private Lives), que o britânico Noël Coward escreveu em 1930 e que Jorge Silva Melo encena agora.

"Esta peça foi feita nos anos 40 por Manuela Sotto no Teatro Avenida e depois foi esquecida", recorda Silva Melo. Em 1985, Carlos Quevedo voltou a encená-la no Teatro Maria Matos. Em palco estavam Graça Lobo, Helena Isabel, Filipe Ferrer, Paulo de Carvalho e Cláudia Cadima. "A tradução foi encomendada a Miguel Esteves Cardoso. A Graça deu-me essa tradução, editámo-la nos Livrinhos do Teatro e voltou a ficar esquecida. Um dia, a conversar, Rúben Gomes diz-me que gostava de fazer uma comédia. E eu gostava de o ver de smokingSmoking e comédia só com Noël Coward." E foi assim que surgiu a ideia de fazer Vidas Íntimas.

"É um mundo de fantasia, este Monte Carlo, umas pessoas que não fazem nenhum, cocktails, ir jogar ao casino, flores e champanhe, criadas que falam francês. Para Noël Coward o teatro não era a imitação da realidade, era uma fantasia, divertida, mordaz", começa por explicar o encenador. No entanto, não se iludam. "Parece uma comédia muito ligeira, superficial, agradável, mas é uma cáustica, sórdida análise do que é o casamento, do que são os fantasmas do casamento, do que é a felicidade", diz.

"Noël Coward é assim. Achamos que é uma comediazinha sofisticada de um mundo que só vemos nas séries inglesas e não é." Era em 1930, como é agora, uma peça boa "para esquecer a crise, a miséria, a queda da bolsa, mas para pensar as nossas relações, que são cruéis".

O autor começou a sua carreira "com uma peça sobre droga, uma peça violentíssima sobre uma relação incestuosa sobre uma mãe e um filho, muito à sombra dos Espectros, de Ibsen". "Ele tinha um grande talento para tudo (não por acaso, a sua biografia chama-se Talento para Divertir), fazia música, fazia revista, tinha vários espetáculos em cena ao mesmo tempo", conta Silva Melo. Vidas Íntimas é a sua peça mais conhecida, a par de Uma Mulher para Dois (Design for Living, de 1933), que Lubitsch colocou no cinema.

Como se tratava da relação de um casal divorciado, os célebres casais de atores gostavam de a fazer. Por exemplo, Maggie Smith e Robert Stephens (1972, encenação de John Guilgud) ou Elizabeth Taylor e Richard Burton (1983). "Havia essa curiosidade, os espectadores queriam ver se as discussões deles seriam mesmo assim", diz Silva Melo. Na produção dos Artistas Unidos, no entanto, não há casais. Os protagonistas são Rita Durão e Rúben Gomes, Vânia Rodrigues e Tiago Matias.

Antes de Lisboa, espetáculo andou em digressão
Vidas Íntimas estreou em outubro do ano passado, em Vila Real. Ao longo destes últimos meses, o espetáculo passou por 15 cidades, de Guarda a Setúbal, do Porto a Coimbra. Chega nesta quarta-feira, finalmente, a Lisboa, onde o texto de Noël Coward se apresenta no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Belém. É uma opção rara, esta de estrear fora de Lisboa. Mas não é uma novidade para os Artistas Unidos.

"São as circunstâncias do teatro atual", explica o encenador Jorge Silva Melo. "Este espetáculo não cabe na Politécnica, tem mutações de cenário, tem muitos atores. A Politécnica é um pequenino teatro de 70 lugares, é uma sala-estúdio, serve, e bem, para pequenas peças."

Quando quer fazer uma produção maior, Silva Melo precisa de um coprodutor e de uma sala maior. Mas nem sempre é fácil. "Não há teatros em Lisboa que queiram fazer 30 apresentações de uma peça. E eu menos do que isso não faço. Não monto uma peça como esta para fazer dois dias de carnaval. Propus esta peça a alguns teatros importantes de Lisboa, nenhum quis. Só o CCB a quis, para estas datas e para cinco récitas. Portanto, decidimos levá-la a uma série de teatros. E foi um gozo e um prazer, por exemplo, esgotarmos o Theatro Circo, em Braga. Houve salas em que não correu tão bem, fizemos meia sala, mas houve outras em que enchemos completamente."

A digressão exigiu um esforço de produção "gigantesco". No fim de semana passado, por exemplo, o espetáculo esteve em Torres Vedras na sexta e em Torres Novas no sábado. "Dá muito trabalho técnico e administrativo, é preciso marcar datas, fazer contratos, e às vezes é infrutífero, chegamos ao sítio e não está nada do que tinha sido acordado. Também houve entidades que deixaram cair o espetáculo à última hora deixando um buraco na agenda. Financeiramente, esta digressão até correu melhor do que a do Alto da Ponte (2018-2019), mas as cobranças são muito difíceis, as pessoas estão a atrasar muito os seus pagamentos."

Mas o trabalho, geralmente, compensa. "Na maior parte dos sítios é um encanto e um prazer voltar a ver pessoas. Na Póvoa do Varzim tive um encontro com espectadores uma hora antes do espetáculo e estavam oitenta a cem pessoas na conversa, pessoas que já tinham visto os nossos espetáculos, eram amigos. Em Viana do Castelo também tivemos um encontro com os espectadores depois do espetáculo. A Santarém e a Torres Vedras, por exemplo, nunca tínhamos ido."

Uma das dificuldades de não estar na capital é a comunicação. "Estrear fora de Lisboa significa silêncio sobre o espetáculo. Este não tem uma única crítica. É muito ingrato", conclui o encenador. Finalmente na capital, esta será a última oportunidade para ver estas Vidas Íntimas.

Vidas Íntimas
De Noël Coward
Encenação de Jorge Silva Melo
Centro Cultural de Belém, Lisboa
De quarta a sábado, às 21.00, domingo, às 16.00
Bilhetes: de 15 a 17,50 euros



por Maria João Caetano in Diário de Notícias | 4 de março de 2020
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Diário de Notícias

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