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Morreu Ernesto Cardenal, poeta nicaraguense e figura da Teologia da Libertação
Apoiante da revolução sandinista, crítico do governo de Daniel Ortega, em 2019 viu o Papa Francisco levantar a suspensão das suas funções no sacerdócio que lhe fora imposta em 1983 por João Paulo II em 1983. Cardenal tinha 95 anos.
Um dos principais expoentes da poesia latino-americana, Ernesto Cardenal morreu este domingo em Manágua. O poeta e sacerdote nicaraguense tinha 95 anos e não resistiu à falência dos rins e do coração, informaram fontes próximas da família, citada pelo jornal espanhol El País.
Figura-chave da Teologia da Libertação - a corrente teológica inspirada no marxismo nascida na América Latina e que dá primazia aos pobres -, Cardenal foi um dos grandes apoiantes da revolução sandinista no seu país natal, tendo apoiado a luta armada contra a ditadura de Somoza. Mais recentemente, o poeta não hesitou em desafiar o governo de Daniel Ortega, de quem foi ministro da Cultura nos anos 80, denunciando as arbitrariedades praticadas pelo executivo do homem que em 2007 voltou à presidência da Nicarágua depois de ter governado o país entre 1985 e 1990.
Ortega e Cardenal foram companheiros durante a luta guerrilheira da Frente Sandinista contra a ditadura somozista. Mais tarde, Cardenal distanciou-se do líder sandinista por diferenças sobre a sua gestão política. Desde o regresso de Ortega ao poder, Cardenal era alvo de perseguições pela justiça, tendo repetidamente denunciado que esta é controlada pelo presidente.
Foi o seu compromisso com os mais pobres e contra as injustiças que fez de Cardenal a "voz moral da revolução sandinista", como escreve o El País.
Esse empenho total com um projeto político levou o papa João Paulo II a suspendê-lo das suas funções como sacerdote em 1983. O chefe da Igreja Católica considerava que um padre não se podia imiscuir nos assuntos políticos. Em fevereiro do ano passado, o papa Francisco enviou uma carta a Ernesto Cardenal na qual o informava do levantamento da suspensão. "Sinto-me identificado com este novo Papa", afirmava mais tarde Cardenal numa entrevista, garantindo: "É melhor do que podíamos sonhar".
Nascido em Granada, na Nicarágua, a 20 de janeiro de 1925, Cardenal estudou Literatura em Manágua e no México, antes de completar a sua formação nos EUA e na Europa.
Ordenado sacerdote em 1965, mais tarde Cardenal instalava-se no Arquipélago de Solentiname, no Grande Lago da Nicarágua, onde fundou uma comunidade de pescadores e artistas primitivistas que ganharia fama mundial. Foi aí que escreveu o seu O Evangelho de Solentiname.
in Diário de Notícias | 1 de março de 2020
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Diário de Notícias