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Jardim Botânico Tropical reabre ao público em Belém

Criado há exatamente 114 anos por decreto régio de D. Carlos, o jardim atravessou a história do país e da cidade. Depois de uma intervenção para a sua renovação, reabre ao público em Belém.

Pormenor, junto a um dos pequenos lagos © Reinaldo Rodrigues/Global Imagens O Palácios dos Condes da Calheta, por onde passaram três séculos de história © Reinaldo Rodrigues/Global Imagens O vice-reitor da Universidade de Lisboa, Pinto Paixão, que tem o pelouro do património © Reinaldo Rodrigues/Global Imagens O botânico César Garcia, responsável pela gestão do Jardim Botânico Tropical © Reinaldo Rodrigues/Global Imagens Luís Ribeiro, o arquitecto paisagista responsável pela renovação do jardim © Reinaldo Rodrigues/Global Imagens


Passa-se o portão verde e uma atmosfera nova, toda ela feita de tranquilidade, envolve-nos. Até a azáfama de última hora que por ali anda, para terminar a plantação de alguma vegetação de pequeno porte, testar a afinação do sistema de circulação da água ou fazer a limpeza dos caminhos, transmite essa sensação de imperturbável serenidade.

Nos dias da contagem decrescente para a reabertura do Jardim Botânico Tropical (JBT), em Belém (Lisboa), depois de um ano exato do seu encerramento para a primeira fase das obras de recuperação, e passados 114 anos certos sobre a sua criação, a 25 de janeiro de 1906, por decreto régio de D. Carlos, o DN visitou o renovado espaço, onde confluem e se misturam a ciência e as atividades de conservação, a história do país e da cidade, com as suas muitas histórias a vários tempos, e a fruição da natureza.

À primeira vista não se notam grandes diferenças, mas é engano do olhar apressado. Lá está a grande alameda das palmeiras que sobem até ao céu - Wahingtonias, chamam-se estas imponentes árvores provenientes do continente americano, uma das marcas distintivas do jardim -, e lá está o lago grande, com a sua pacata população de patos e gansos, e a ilha ao centro, com o seu jardim de fruteiras, todas oriundas de lugares longínquos nos trópicos.

Renovação dos edifícios históricos

Tudo isto, numa mistura de cores, se avista logo à entrada, em relance rápido. O que não se vê é todo o trabalho de recuperação ali feito no último ano, que renovou completamente o sistema de distribuição da água para a rega, refez pavimentos, muros e canteiros, limpou matagais que afogavam alguns dos recantos mais secretos, restaurou vegetação rara, e recuperou a sinalética dos caminhos e dos espécimes do jardim.

No lago grande, por exemplo. "Estava cheio de cianobactérias, de plantas e tinha mais de meio metro de sedimentos no fundo. Limpou-se tudo", conta o botânico César Garcia, responsável pela gestão do JBT desde fevereiro de 2017. E, como esse, todos os outros lagos e tanques mais pequenos, que integram o remodelado sistema de circulação de água, que passou a garantir a rega de forma mais eficaz e sustentável dos sete hectares deste parque.

"O jardim tem poço próprio e o sistema de circulação da água foi todo renovado para ser eficiente e sustentável do ponto de vista energético", explica Pinto Paixão, vice-reitor da UL com o pelouro do património da universidade, de quem depende diretamente este tipo de intervenções.

"Foi feita a reparação e substituição de tubagens, canais e condutas degradados para acabar com as perdas de água, que eram muitas", adianta. A instalação de um sistema de bombagem, que conduz a água para a parte alta do parque, permite que, a partir daí, e apenas por ação da gravidade, se faça a circulação da água para todo o jardim, minimizando o consumo de energia.

Nesta primeira fase das obras, a UL investiu "mais de 1,5 milhões de euros, tudo receita própria", sublinha o vice-reitor, Agora inicia-se a segunda etapa, que visa a recuperação de nove edifícios emblemáticos do jardim que estão a precisar de obras, num investimento de sensivelmente mais dois milhões de euros de euros - no final, o custo global há de ascender a mais de três milhões de euros -, e que Pinto Paixão espera que possa estar concluída até final de 2021.

Um dos edifícios cujas obras vão avançar em breve é a Casa de Chá, que foi construída para a famosa Exposição do Mundo Português, de 1940, onde funcionou como Restaurante Colonial, servindo as diferentes gastronomias das antigas colónias. Sucessivamente adaptado a Casa de Chá e a laboratório científico do antigo Instituto Investigação Científica e Tropical (IICT), vai voltar a ser espaço de restauração. "Espero que possa reabrir em janeiro do próximo ano", estima Pinto Paixão.

Hão de seguir-se os outros edifícios todos. Entre eles, a casa dos jardineiros, a estufa principal, um edifício original do princípio do século XX, ou ainda o velho Palácio dos Condes da Calheta.

Edificado em meados do século XVII e recheado de belos azulejos no interior, o palácio teve muitas vidas: foi sala de interrogatório, em 1758, no processo dos Távora (acabaram condenados à morte, duvidosamente acusados de atentado contra o rei D. José I), tornou-se depois Real Arquivo Militar e acomodação de visitas reais no século XIX, foi museu agrícola colonial na década de 1930 e vestiu a pele de Pavilhão da Caça e do Turismo durante a Exposição do Mundo Português - nessa altura, houve crocodilos vivos nos tanques adjacentes. Não acabam as histórias.


Espaço de ciência e várias camadas de História

Percorrer o Jardim Botânico Tropical é visitar diferentes geografias em poucos passos, e atravessar também o tempo. Criado há 114 anos, o Jardim Colonial, como inicialmente se lhe chamou, nasceu no contexto da organização dos serviços agrícolas coloniais e do ensino da agronomia colonial da época, para servir o ensino e a experimentação de culturas, e aprofundar conhecimentos.

Sucedeu-se a dependência de diferentes organismos durante o século XX. Em 1983 passou a designar-se Jardim-Museu Agrícola Tropical, já integrado no IICT. Classificado como monumento nacional em 2007, tornou-se património da Universidade de Lisboa quando o IICT ali foi integrado. Foram muitas as mudanças, mas houve algo que nunca se alterou: a sua vocação do jardim para a ciência, a experimentação e o conhecimento.

Mais de um século depois da sua criação, existem hoje ali mais de dois mil espécimes de árvores e arbustos de cerca de 700 espécies tropicais e subtropicais, oriundas de todo o mundo, 16 das quais são espécies em risco - sete têm estatuto de "ameaçadas", e outras nove são "vulneráveis". A sua presença viva no jardim é uma garantia suplementar para o seu futuro.

É o caso do pinheiro de São Tomé (Afrocarpus mannii), "uma árvore considerada em risco, que só existe num zona muito delimitada da ilha de São Tomé", explica César Garcia. "Se por qualquer motivo elas morressem no seu habitat natural, a partir das nossas sementes poderíamos fazer o seu repovoamento", afirma o especialista. "Um jardim botânico é um espaço de ciência e de conservação", sublinha.

Cada espécie, e há-as ali oriundas das geografias tropicais e subtropicais dos cinco continentes, tem os seus próprios requisitos ecológicos, e é cuidada de acordo nos mais pequenos pormenores, da rega aos cortes, ou ao tratamentos de fungos e doenças. Ali se fazem também experimentações com sementes, sobre as suas condições germinação, por exemplo, e estudos sobre métodos de trabalho e cuidados com os diferentes espécimes, o que serve para aprofundar os conhecimentos sobre a ecologia e a vulnerabilidades de cada espécie, contribuindo no final para melhorar as estratégias de conservação.

Como membro da Associação Ibero-macaronésica de Jardins Botânicos, o Jardim Botânico Tropical mantém igualmente programas de troca de sementes.

Ainda recentemente, no âmbito dessa rede, representantes e investigadores dos vários jardins botânicos estiveram em Valência a debater o impacto das alterações climáticas, que também ali já são uma evidência. "Nota-se que alguns fungos estão a aumentar a sua cobertura, o que antes não acontecia, e os ciclos de floração de diferentes também estão a ficar alterados", confirma César Garcia.

Este é um espaço de ciência, mas também de história. Por aqui passam pelo menos três séculos da vida do país e da cidade, e isso vê-se nas próprias árvores. Uma das mais antigas do jardim, um dragoeiro (espécie originária da região atlântica da Macaronésia, que inclui as Canárias, a Madeira, os Açores, Cabo Verde e costa africana próxima), "deve ter mais de dois séculos", admite César Garcia.

"Temos aqui várias camadas de história", comenta por seu turno Luís Ribeiro, o arquiteto paisagista responsável pela recuperação do jardim.

A árvore do presidente Manuel de Arriaga

É a história escrita nos edifícios das várias épocas - dos séculos XVII ao XX - que existem em diferentes pontos do parque, nas inúmeras estátuas românticas e nos bustos espalhados por todo o jardim, mas também nas próprias árvores.

Lá está o dragoeiro duplamente centenário, mas muitas outras árvores também que, não sendo tão antigas, têm idades muito respeitáveis, e contam, cada uma, a sua própria história. Como a discreta Brahea edulis watson, que o primeiro presidente da república, Manuel de Arriaga, plantou na beira de um dos muitos caminhos deste jardim, a 19 de junho de 1916. Ou a ainda a sequoia que o mayor de Nova Iorque trouxe da América e aqui plantou nos anos de 1970.

Na recuperação do parque, Luís Ribeiro fez questão de dar destaque a essa vida própria que faz do Jardim Botânico Tropical um espaço de riqueza única. "Valorizámos a vegetação de cada recanto", conta.

É assim nos Jardim dos Catos, onde a limpeza do matagal deixou a descoberto um cenário misterioso de grandes catos misturando-se com árvores, no Jardim da Ninfa, ou no Jardim Oriental, que são alguns dos pontos mais intimistas destes sete hectares, onde o cenário muda a cada passo, numa diversidade e riqueza que fazem do jardim um local único na cidade.


por Filomena Naves in Diário de Notícias | 24 de janeiro de 2020
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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