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Os reis da comédia chegaram à Cinemateca
de Chaplin a Eddie Murphy, passando por Woody Allen
A Cinemateca promete boa disposição para 2020 com um vasto ciclo intitulado "Os Reis da Comédia" que permite redescobrir os grandes protagonistas do género cinematográfico mais popular.
O que evoca o meu nome no espírito do cidadão comum? Uma pequena silhueta patética e mal vestida, um chapéu de coco amolgado, umas calças largas, uns sapatos enormes e uma bengala pretensiosa." Este autorretrato de Charlie Chaplin é uma bela porta de entrada para a revisitação de um género que sempre fez parte do cinema (desde os irmãos Lumière): a comédia. A simples descrição da figura, cheia de deliciosos detalhes, é a base daquilo que veio a ser o universo do eterno vagabundo. Quer dizer, na memória popular, as suas aventuras são indissociáveis do simbolismo da sua imagem. Uma imagem, escreveu ainda ele, que "resume a filosofia dos deserdados."
E é precisamente sob o signo de Chaplin que arranca nesta quinta-feira o ciclo "Os Reis da Comédia", na Cinemateca, em Lisboa. Tempos Modernos (1936), filme mudo que assinalou a passagem para o sonoro na obra do cineasta/ator - com uma mítica cena em que se ouve, pela primeira vez, a sua voz a cantar num estranho e humorístico dialeto -, faz as honras de um vasto programa que vai marcar a temporada de 2020.
Se o ano que passou foi dedicado ao melodrama, o que agora começa irá olhar a comédia - o mais popular dos géneros cinematográficos - em três fases: primeiro, a partir de um ponto de vista histórico, seguindo o rasto dos seus grandes protagonistas, entre cineastas e atores; depois, focando identidades e estilos muito particulares, não canonicamente ligados ao género; e, finalmente, debruçando-se sobre a questão específica do riso.
Assim, janeiro representa a parte inicial do percurso histórico, onde encontramos, para além de mais Chaplin (O Grande Ditador), vários títulos e nomes fundamentais da escola da comédia, entre eles, Harold Lloyd, em O Ás da Velocidade (1928); o Bucha e Estica de Stan Laurel e Oliver Hardy, na opereta burlesca The Devil"s Brother (1933); os irmãos Marx, na fortíssima sátira política Os Grandes Aldrabões (1933); Jerry Lewis em versão moço de recados, na primeira longa-metragem da sua autoria, Jerry no Grande Hotel (1960); Jacques Tati ou o genial Mr. Hulot perdido na modernidade, em Playtime (1967); Totó, o cómico por excelência do cinema italiano, em Polícias e Ladrões (1951), de Monicelli e Steno; Peter Sellers, o Dr. Estranhoamor de Kubrick, numa das melhores comédias de Blake Edwards, A Festa (1968); os Monty Python na hilariante paródia da figura de Cristo, em A Vida de Brian (1979), Woody Allen nos primórdios da carreira, em Bananas (1971); Eddie Murphy, também a dar os primeiros passos em Os Ricos e os Pobres (1983); no capítulo português, Vasco Santana, em A Canção de Lisboa (1933); e, claro, o enorme Buster Keaton, que surge em Pamplinas Maquinista (1926) e As Sete Ocasiões de Pamplinas (1925), este último acompanhado ao piano por João Paulo Esteves da Silva.
Woody Allen em Bananas
A par desta sessão musicada, também uma obra do período alemão de Ernst Lubitsch, Romeu e Julieta na Neve (1920), contará com guarnição melódica, desta vez a cargo do pianista, já muito lá de casa, Filipe Raposo.
O fator Cary Grant
Num ciclo que se espraia por diferentes geografias e todo o tipo de registos cómicos, do screwball ao slapstick, é interessante perceber como há apenas uma estrela comum a três filmes com selo de Hollywood: Cary Grant. De facto, chamar a atenção para este dado estatístico importa na medida em que revela a dimensão do carisma do ator. Não porque ele seja um nome exclusivo da comédia, como o são todos os outros que referimos, mas porque trabalhou com alguns dos maiores artesãos do género, acrescentando estilo e uma expressividade única a cada um desses filmes.
Assim, vamos descobri-lo aqui, ao lado de Irene Dunne, em Com a Verdade Me Enganas (1937), de Leo McCarey, a roda-viva de malentendidos de um casal à beira do processo de divórcio, ainda O Grande Escândalo (1940), com assinatura de Howard Hawks, outra intriga masculino/feminino, com Rosalind Russell, agora nas enérgicas lides jornalísticas, e finalmente, O Mundo é Um Manicómio (1944), de Frank Capra, essa impagável comédia negra em que a personagem de Grant depara com duas amáveis e velhas tias que abreviam a vida a homens solitários...
Um brinde aos reis da comédia!
por Inês N. Lourenço, in Diário de Notícias | 02 de janeiro de 2020
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias