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Caretos de Podence já são Património Imaterial da Humanidade
Os Caretos de Podence foram oficialmente reconhecidos como Património Imaterial da Humanidade pela UNESCO.
Os Caretos de Podence, os tradicionais mascarados do Nordeste Transmontano, foram classificados esta quinta-feira pela UNESCO Património Imaterial da Humanidade.
O Comité Intergovernamental para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da Organização das Nações Unidas para a Ciência, Educação e Cultura (UNESCO) havia começado a analisar, na quarta-feira, em Bogotá, as 42 nomeações provenientes de todo o mundo, entre as quais se encontrava a candidatura do Carnaval de Podence das Festas de Inverno transmontanas.
As Festas de Inverno Carnaval de Podence foram a única candidatura seleccionada pelo Governo português para representar Portugal nesta que está a ser a 14.ª reunião do comité. A candidatura havia sido considerada “exemplar” pelo organismo das Nações Unidas, tendo esta quinta-feira o comité independente, constituído por diversos países, decidido a entrada na lista onde já constam o Fado, o Cante Alentejano, a Dieta Mediterrânica, a Falcoaria, os chamados “Bonecos de Estremoz”, a Olaria negra de Bisalhães e a arte chocalheira.
Em declarações à Lusa, o presidente da Câmara de Macedo de Cavaleiros, Benjamim Rodrigues, em Bogotá, considerou que a decisão “enche de orgulho” o concelho transmontano e o país, sendo “o início de uma responsabilidade maior” que se propõe assumir “a partir de hoje”. O autarca adiantou que com este passo há novos projetos a surgir, nomeadamente uma ideia do presidente da Associação dos Caretos de Podence, António Carneiro, que desafiou o arquiteto Souto Moura a aceitar fazer um projeto de arranjo urbanístico da rua onde acontece o Entrudo Chocalheiro, em Podence, e do largo da Queima do entrudo, bem como de um Museu do Careto. “O arquiteto já está a analisar a proposta e o município está disponível para ser parceiro nesta ação”, assegurou.
Quem também reagiu foi o primeiro-ministro António Costa, que na rede social Twitter endereçou os “parabéns aos habitantes de Podence que mantêm viva esta tradição única e aos que contribuíram para a sua valorização internacional, que é um motivo de orgulho para todos os portugueses”. A ministra da Cultura Graça Fonseca considera por seu turno, em comunicado, que a classificação contribui “para reforçar um activo patrimonial e turístico que excede os limites do território do nordeste transmontano”.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, felicitou todos os intervenientes nesta decisão “que conseguiram, mais uma vez, que o património português se mostrasse ao mundo na sua diversidade, fidelidade e empenho”. Em nota publicada no site da Presidência da República, Marcelo diz que esta distinção dá uma projecção renovada “a estas carismáticas figuras coloridas, mascaradas e animadas do Nordeste transmontano”.
Os tradicionais mascarados estão representados na Colômbia por uma comitiva constituídos por autarcas, a investigadora que fez a recolha para a candidatura e o presidente da Associação dos Caretos. No discurso de agradecimento foi lembrado o papel positivo que este acontecimento poderá ter no contrariar dos riscos de despovoamento do território, ao mesmo tempo que foi enaltecido o papel que poderá operar na preservação das tradições, não sendo esquecida a Morna de Cabo Verde, que na quarta-feira também obteve o mesmo reconhecimento. “Viva a lusofonia. Viva Portugal. Somos caretos”, ouviu-se, no final, na sala.
Recorde-se que esta tradição já havia sido reconhecida pelo Governo português com o estatuto de Património Cultural Imaterial de Portugal. No mesmo ano, em 2017, o plenário da Assembleia da República, por unanimidade, deu um voto de saudação ao Carnaval dos Caretos. Ao longo dos anos vários documentários têm focado o ritual, o último dos quais trata-se do minidocumentário A Pele do Diabo, de Zé Maria Mendonça e Moura, que foi estreado esta terça-feira.
"Candidatura exemplar”, diz Sampaio da Nóvoa
Em declarações ao PÚBLICO, o embaixador português na UNESCO, António Sampaio da Nóvoa, mostra-se feliz com a classificação dos Caretos de Podence, elogiando a forma como a candidatura foi montada.
“É mais uma decisão muito importante para nós. Tivemos este ano a inscrição do Bom Jesus e do Palácio de Mafra como património mundial cultural. Temos agora, no final do ano, a inscrição dos Caretos de Podence. Foi um processo que correu muito bem. A candidatura foi muito bem realizada pela associação, pela comunidade de Podence, com o apoio da Câmara de Macedo de Cavaleiros. Na decisão isso foi muito referido — que era uma candidatura exemplar, pela capacidade de salvaguarda e renovação da tradição”, explica.
Também a Associação Portuguesa para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial saudou a decisão desta quinta-feira, relembrando existem “muitos e diversificados” patrimónios culturais imateriais no país. “As distinções que se vêm verificando desde 2011 (com a inscrição do Fado), são disso flagrante exemplo”, diz a associação. O presidente deste organismo, Luís Marques, espera que esta decisão motive uma “mudança na política do património cultural imaterial em Portugal”.
Cortejo sexual
Os Caretos de Podence marcam a folia de Carnaval no Nordeste Transmontano com coloridos e farfalhudos fatos, chocalhos à cintura e um pau para amparar as tropelias. Há também as máscaras, folhas angulares rematadas por um nariz pontiagudo, frequentemente em zinco, mas por vezes também em couro, em geral vermelhas ou pretas com uma cruz pintada na testa.
Como escrevia, em Março deste ano, no suplemento Fugas do PÚBLICO, o jornalista Luís Maio, “há quem veja neste preparo uma farpela demoníaca, mas nos tempos que correm parece mais o guarda-roupa de um romance de ficção medieval. De qualquer modo, o traje das franjas é sobretudo um emblema de irreverência e o que interessa nos caretos de Podence são menos os trapos que os adereços. A saber, as duas bandoleiras com campainhas que se cruzam sobre o peito do mascarado, rematadas por um cinto carregado de pesados chocalhos (oito a doze).”
Em toda a região de Trás-os-Montes há Caretos, todavia os de Podence distinguem-se dos restantes pelo chocalho, daí o nome da festa ser “Entrudo Chocalheiro”. É nos chocalhos que se concentra a acção, com as ruidosas manifestações dos Caretos a atraírem, durante quatro dias, à aldeia de Podence com cerca de 180 habitantes, milhares de curiosos portugueses e estrangeiros.
O “Entrudo Chocalheiro” acaba por ser, segundo Luís Maio, uma época de cortejo sexual, casual e brincalhão. Os caretos são do sexo masculino. Antes era um grupo reservado a rapazes solteiros, mas o espectro etário alargou-se, de homens maduros à idade juvenil.
A rotina durante os dias de festa consiste nos grupos de caretos percorrerem a ladeira que liga o adro da igreja ao terreiro que dá para a entrada na freguesia, horas a fio para cima e para baixo, incessantemente à procura de mulheres. Correm e gritam quando vislumbram mulheres desprevenidas, mas também há muitos encontros consensuais. O Carnaval em Podence, de resto, sinal dos tempos, é um palco onde os papéis muitas vezes tendem a inverter-se, no sentido de serem as mulheres quem cada vez mais procura os caretos.
A chegada da comitiva portuguesa, presente na Colômbia, dar-se-á no domingo. A chegada será no Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, às 15h. Depois seguem-se os festejos no concelho, às 18h.
por Vítor Belanciano, in Público | 12 de dezembro de 2019
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura e Jornal Público