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Helena Almeida: a vez de uma pintora numa coleção de livros de fotografia

Ao longo de mais de 50 anos, Helena Almeida usou a fotografia como expressão da sua arte, mas sempre recusou que a fechassem nesse campo criativo. Mas antes de morrer, aceitou fazer parte de uma coleção de livros de fotografia. O volume com o seu nome é lançado esta terça-feira na série Ph.

Desenho Habitado, 1975


É o primeiro livro póstumo de Helena Almeida. Depois da morte da artista em 25 de setembro de 2018, o terceiro volume da série de livros referenciais de fotografia Ph. (editados com a chancela da Imprensa Nacional Casa da Moeda) traça um percurso retrospetivo da obra da artista plástica, pioneira no uso da imagem fotográfica no universo da arte contemporânea portuguesa no final dos anos 60.

Tendo começado a ser estruturado antes do desaparecimento da artista (que ainda chegou a ver a capa, da qual “gostou”), o livro que agora chega às bancas (lançamento esta terça-feira na Biblioteca da Imprensa Nacional, às 18h30, em Lisboa) acabou por sofrer atrasos sobretudo relacionados com a negociação de direitos sobre as imagens que abarcam exatamente 50 anos de produção artística (1968-2018).

Apesar de o quarto volume da série já ter sido lançado (dedicado a Fernando Lemos), o diretor editorial da coleção, o artista e produtor cultural Cláudio Garrudo, quis manter a ordem numérica que foi transmitida a Helena Almeida, “numa espécie de homenagem e respeito pela palavra dada”.

"Pequenas narrativas"

Organizada com ajuda de Delfim Sardo, professor, curador, ensaísta e atual programador de artes plásticas da Culturgest, esta viagem pela obra de uma das mais reconhecias artistas portuguesas dentro e fora de portas é feita a partir de um critério cronológico, através do qual é possível apreciar uma longuíssima sequência de “pequenas narrativas” (não tanto uma qualquer “evolução”), e variações sobre um núcleo relativamente restrito de temas: o corpo (na sua mais complexa definição e relações subjetivas); a relação do corpo no espaço; a desmaterialização da pintura; a corporalidade; o espaço real e a relação com o espaço de representação; a relação entre a ficionalidade e a materialidade do real; o lugar; e a ação, como enumera Sardo no texto do livro.

Para além das dificuldades de trabalhar num espólio ainda por organizar e com obras muito dispersas por coleções privadas em Portugal e no estrangeiro, Cláudio Garrudo assume que o mais problemático na conceção deste volume foi a falta do interlocutor principal: o artista monografado. “À exceção do livro de Paulo Nozolino, que teve a colaboração do curador Sérgio Mah, nos outros volumes da série fui dialogando com os artistas para discutirmos os trabalhos a incluir e encontrarmos uma narrativa para o miolo, mas neste caso, infelizmente, isso já não foi possível.”     

Logo a abrir o livro, há um par de imagens de 1968 onde o imaginário da pintura ainda está muito presente, sobretudo através do formato e da escala, e onde é possível vislumbrar já todo um programa artístico assente numa atitude de subversão, de rutura e de questionamento não só do modo de fazer na pintura (principal disciplina de formação da artista), como da exploração dos vários espaços de representação por ela potenciados. São espaços que vão para lá das superfícies, como Helena Almeida tão subtil como vincadamente nos foi demonstrando ao longo da sua carreira, que começou com uma exposição individual na Livraria Buchholz, em Lisboa, em 1967.

Apesar de ter sido reconhecida por várias ocasiões com prémios ligados à fotografia e de ao longo de mais de cinco décadas de trabalho ter escolhido a imagem fotográfica para exprimir a sua arte, Helena Almeida sempre se distanciou da identificação do seu universo criativo como estando fechado na fotografia. Do mesmo modo, apesar de ser possível identificar estratégias criativas vindas da performance, a artista sempre se disse “uma pintora”. Paradoxal ou não, esta recusa de Helena Almeida de se fixar na fotografia enquanto modo de expressão artística concretiza de alguma maneira a ambição e o programa da coleção Ph., que pretende “dar a conhecer autores, apresentando os territórios expandidos e múltiplos da fotografia”.

"Fusão da massa de dois corpos"

Delfim Sardo, profundo conhecedor da obra de Helena Almeida, com quem trabalhou em várias exposições, assina um ensaio no livro (“Continuar aqui”), onde sistematiza os traços essenciais da obra de uma artista que através de ideias aparentemente simples conseguiu ampliar um campo conceptual escorregadio e carregado de dilemas, como é o da representação e o da auto-representação, isto sem “gastar” a (sua) imagem: “Muito poucos exemplos poderemos encontrar desta complexa possibilidade de expor um corpo feminino durante cinco décadas, sem que o envelhecimento seja o assunto da sua exposição, senão a que decorre de questões que se prendem com a existência — e não com a aparência”.

Depois dessa espécie de “sair da casca” da pintura, ao longo do livro sobressaem séries onde a narratividade da ação passa a ocupar um lugar central na produção da artista (sobretudo na década de 1970); as variações na relação das metodologias que condicionam a relação do espectador com a obra; as múltiplas declinações dos processos de representação do corpo (os equívocos que daí derivam); a investigação sobre a superfície do plano de representação; a experimentação de vários tipos de serialidade. Em quase todo este universo imagético, a persistência de um lugar — o atelier (espaço no qual “um corpo se define”) — e um artista-testemunha-operador, Artur Rosa, marido, fotógrafo, que marcaria presença em algumas das primeiras séries e regressaria numa das últimas, “O Abraço”, “fusão da massa de dois corpos, um monólito escultórico”, descreve Delfim Sardo.

Para além de três desenhos inéditos dos cadernos da artista, suporte anterior à imagem fotográfica, este volume da coleção Ph. termina com duas imagens ainda não publicadas da série “Dentro de Mim” (2018), uma das últimas da artista.

Cláudio Garrudo revelou ao PÚBLICO que o próximo artista a fazer parte do elenco desta biblioteca essencial da fotografia contemporânea portuguesa será José Manuel Rodrigues (Lisboa, 1951-). Para além de Helena Almeida, já saíram nesta coleção volumes dedicados à obra de Jorge Molder, Paulo Nozolino e Fernando Lemos.


por Sérgio B. Gomes in Público | 10 de dezembro de 2019
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público 

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