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Algarve e Miranda do Douro cruzam vozes e sons num espetáculo único

Mulheres do Sul, homens do Norte: com novo disco lançado este ano, o grupo a capella algarvio Moçoilas vai partilhar este sábado o mesmo palco com os mirandeses Galandum Galundaina. No Teatro das Figuras, em Faro, às 21h30.

As Moçoilas, hoje: Margarida Guerreiro, ao centro, entre Teresa da Silva (esq.) e Inês Rosa DR


Elas começaram antes (em 1994), eles pouco depois (em 1996). Agora, passadas mais de duas décadas, as algarvias Moçoilas e os mirandeses Galandum Galundaina vão partilhar este sábado, às 21h30, o palco no Teatro das Figuras, em Faro. Por sinal o mesmo onde as Moçoilas lançaram, em 30 de abril deste ano, o seu terceiro disco: Atão Porque Não?



O que levou à criação destes grupos foi uma mesma ideia: preservar tradições, evitar que se percam. Criado em 1996, o grupo Galandum Galundaina teve por objetivo a recolha, a investigação e a divulgação do património musical, assim como das danças e da língua de Miranda do Douro (mirandês). E se trabalhou a música tradicional mirandesa, fê-lo ligando gerações de músicos, os mais antigos e os mais jovens, assim garantindo que a riqueza da tradição cultural da região tivesse continuidade, evitando o risco de se perder.


Já as Moçoilas tiveram origem num trabalho em torno de uma cassete com cantigas de mulheres da algarvia Serra do Caldeirão, primeiro com Margarida Guerreiro e Eduarda Alves, a que se juntaram depois Teresa Colaço e a Cristina Reis para uma atuação, que se previa ser única, mas que acabou por ser a primeira de muitas. Foi em 1994, em Santarém, na primeira edição da MANIFesta (Assembleia, Feira e Festa do Desenvolvimento Local).

E o grupo não tardou a ter cinco vozes, com a entrada de Teresa Muge, mantendo-se com essa formação durante um ano. A saída de Cristina Reis (que foi trabalhar para África) reduziu o grupo a quatro, sempre com a mesma base: o canto a capella. A morte prematura de Eduarda Alves, já depois de lançado o primeiro disco, Já Cá Vai Roubado (gravado ao vivo no Auditório do Museu Arqueológico e Lapidar de Faro, em 9 e 10 de junho de 2000 e editado em CD em 2001) levou à entrada para o grupo de uma nova voz, Ana Maria Palma, mantendo-se as restantes. E assim foi gravado o segundo disco, Qu’é Que Tens a Ver Com Isso?, em 2006, com produção, gravação e mistura de António José Martins, que também produzira e dirigira o primeiro, este com edição da Casa de Cultura de Loulé.

E se no primeiro, a par de 26 temas do cancioneiro popular havia duas canções de Amélia Muge (Pastorinho e Bate, bate), o segundo, também a par de tradicionais, integrava temas de Teresa Muge (o que dava título ao disco, LaranjinhasSeara loiraCandeiaAi moças), da sua irmã Amélia (Tá dito) e versões de temas de José Afonso (Ó ti Alves), José Mário Branco (Cantiga sem maneiras, gravada pelo GAC) e Sérgio Godinho (Parto sem dor).

Renascimento em trio

Em 2016, passados uns anos em que o grupo praticamente deixou de funcionar, Margarida Guerreiro achou que era altura de reativá-lo, como ela diz ao PÚBLICO, e num encontro casual “recrutou” duas novas vozes, as de Teresa da Silva e Inês Rosa. “Encontrei estas duas pessoas, com quem tenho muita empatia e que são excelentes músicas (são ambas professoras de música), e pensei que seria interessante recomeçarmos a três, porque não havia um quarto elemento.” Assim, em trio, renasceram as Moçoilas. E com novo disco.

Atão Porque Não?, editado em 2019, recentra a sonoridade na Serra do Caldeirão, onde tudo começou. “Nós continuamos muito ligadas a este território. E nos Invernos gostamos de ir para a serra, eles têm aquelas lareiras e aqueles espaços muito familiares onde se juntam uma dúzia de pessoas, ou menos até, nós cantamos, de vez em quando aparece alguém que também canta e isso reanima-nos, essencialmente ao nível da alma.”

A par de vários temas tradicionais, recolhidos em Currais, Cachopo, há no disco um tema que já haviam gravado, Altinho, mas ao original alentejano foi agora acrescentado um outro, “cantado pela D. Dilar, de Cachopo, este mais solto e divertido”, dizem no disco.

E há canções só delas, como Arrimadinha (criada em 2010, numa tournée por terras de Espanha, com Luís Rocha e Ana Maria Palma como autores principais, participando ainda na sua criação Teresa Colaço, Teresa Muge e Margarida Guerreiro) ou dois temas, de um total de três que elas compuseram para a peça de teatro Catarina, da ACTA – Companhia de Teatro do Algarve, com encenação de Luís Vicente. E compuseram-nas a partir de um texto original de Jacinto Lucas Pires. Chamam-se Grito e O país: “Foi uma proposta que achámos interessante, para musicarmos uns poemas que não eram fáceis de musicar”, diz Margarida Guerreiro. “E termos participado nesse teatro foi uma coisa fabulosa.”

Pelos filhos bastardos

Aos tradicionais gravados nas recolhas (ficaram ainda cassetes por trabalhar), juntaram nalguns casos versos próprios. É o caso de Atrás d’um dia vem outro, cujas últimas quatro quadras mudam de cenário temporal, ao falar da internet e das redes sociais. “Lá no raio do Instagram/ Não tens nada pra fazer/ Olha eu atarefada/ A limpar cuidar e coser.”

Ou então Hã!?, a cuja letra original, picaresca, juntaram dois sextetos sérios: “Meu patrão mandou-me embora/ Serviu-se e eu não dei um ‘ai’/ Apanhou-me à meia noite/ Deixou-me um filho sem pai.” Margarida justifica o acréscimo assim: “Esse tema é cantado em Cachopo por um grupo de pessoas com muita jocosidade, como se fosse malandreco, e começámos a ligar aquilo a uma coisa que a investigação toda nos diz, que é a quantidade imensa de filhos bastardos que este país teve. Aquilo começou a chocar na nossa cabeça, achámos que não tinha piada essa coisa da menina e do patrão [o original diz: “A criada era brejeira/ Gostava de brincadeira/ Perguntou se o nabo é roxo”] e resolvemos alterar até o espírito do que se canta em Cachopo. A coisa é muito séria e fizemos questão que entrasse no CD.”

A junção, em palco, das Moçoilas e dos Galandum Galundaina vai ser, para Margarida Guerreiro, “muito interessante”: “Nós somos mulheres, eles são homens, nós cantamos a capella, eles trazem instrumentos, aquelas gaitas, aquelas coisas ruidosas, além de umas vozes lindas que vêm do coração. E nós temos uma coisa mais picadinha, mais endiabrada. Vamos ter momentos de vozes, cantigas deles que nós integramos, cantigas nossas que eles integram, com instrumentos musicais, será uma multiplicidade de variações.”


por Nuno Pacheco in Público | 28 de novembro de 2019

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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