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Manuel Amado (1938-2019), o pintor da serenidade
O CNC manifesta profundo pesar pela morte de um amigo de sempre, filho de um dos nossos pais fundadores, Fernando Amado e grande artista. Apresentamos sentidas condolências a Teresa Amado e família.
O artista deixa uma obra original, marcada pela pintura de espaços vazios, dominados pelo jogo entre a luz e a sombra.
O pintor Manuel Amado morreu esta segunda-feira no Hospital da Luz, em Lisboa, vítima de cancro. Tinha 81 anos. Deixa uma obra pictórica extensa e coerente, marcada por lugares desabitados, que o público português e mesmo estrangeiro pôde apreciar em exposições regulares a partir de 1975. O velório realiza-se esta terça-feira, pelas 17h, na Basílica da Estrela, em Lisboa, onde na quarta-feira às 10h será rezada uma missa, após a qual o pintor será cremado numa cerimónia privada.
Manuel António de Sotto-Mayor da Silva Amado nasceu a 13 de junho de 1938. Era o quarto de sete filhos do casamento entre o homem de letras e de teatro Fernando Alberto da Silva Amado e Margarida Abreu de Sotto-Mayor. Até aos 19 anos residiu com a família no palacete dos avós maternos, ao Campo Grande, o mesmo que hoje alberga o Museu de Lisboa. A memória desta grande casa, cheia de recantos, corredores e grandes janelas, surge regularmente na sua pintura, que se desenvolveu numa linguagem muito própria logo desde o início.
Contava que, aos 14 anos, uma tia lhe ofereceu um cavalete e tintas a óleo. Estimulado pelo ambiente cultural de que gozava em casa e no Colégio Moderno, que frequentou, começa a usá-las. Ao mesmo tempo, como ator amador, participa em peças de teatro sob a direção de Manuel Lereno e António Manuel Couto Viana. Terminado o liceu, ingressa em Arquitectura, que na época exigia uma sólida aprendizagem de desenho de estátua a carvão. Em 1957 já conhece a obra de Picasso e de Matisse, e sobretudo de De Chirico e dos surrealistas, com quem partilha tantas afinidades.
Manuel Amado, já casado com Maria Teresa Rosa Viegas, fará o serviço militar em Angola, conhecendo então Cruzeiro Seixas, com o qual manterá profunda amizade. É em Angola que começa a pintar memórias de espaços e jardins, estimulado, segundo dizia, pelas “saudades das suas realidades longínquas”.
Durante a década de 60, nascem os seus três filhos: o músico Rodrigo Amado, a arquiteta Rita Amado e a jornalista Joana Amado (que trabalhou no PÚBLICO). Trabalha como arquiteto para os Hospitais Militares, Aeronáutica Civil e Hidrotécnica Portuguesa. Começa a expor com amigos, na Sociedade Nacional de Belas-Artes, na Junta de Turismo da Costa do Sol e na Galeria S. Mamede. Orgulhava-se de ter vendido o seu primeiro quadro a Mário Soares, em 1982.
Embora se tenha tornado mais conhecido como pintor, o certo é que a arquitetura nunca deixou de moldar o seu interesse pelo espaço pintado. Disse, a certa altura, que foi desenvolvendo os seus “caminhos das pinturas”, estações de comboios, interiores, exteriores, palcos e bastidores, na relação que todos estes temas possuem com a arquitetura. E que sentia um enorme prazer em trabalhar com tudo aquilo que era construção humana.
Em 1984, participa como ator na peça de Almada Negreiros, Antes de Começar, levada à cena no antigo CAM da Gulbenkian. A pintora Lourdes Castro contracena com ele, marcando o início de uma longa amizade entre ambos. A partir de 1986 a sua obra começa a internacionalizar-se, primeiro nos Estados Unidos, em Washington, e mais tarde em Londres, Paris, Boston ou Pequim.
Mantém-se fiel aos temas que lhe interessam: as casas vazias, com sinais de uma presença que se ausentou há pouco, os jardins imaculados, naturezas-mortas reduzidas ao essencial, e mesmo, numa das suas últimas grandes exposições, cenários de teatro, personagens de cartão recortado que refletem, como num espelho, a ausência serena que transparece em toda a sua pintura. Sobre essas pinturas inabitadas disse em entrevista ao PÚBLICO em 2007, a propósito da exposição Pintura, Pintura, no Centro Cultural de Cascais: “São sítios em que quase sempre não está ninguém, mas pode estar. São sítios utilizados pelas pessoas. Já não me lembro quem, mas alguém dizia o seguinte: ‘Percebo muito bem que o Manuel não ponha pessoas porque ele pinta o espaço, a luz, o sossego de um sítio. Se tivesse figuras, personagens, ia poluir a pureza do que se pretende'”.
por Luísa Soares de Oliveira, in Público | 14 de outubro de 2019
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público