"É de Cultura como instrumento para a felicidade, como arma para o civismo, como via para o entendimento dos povos que vos quero falar"

Trinta Clássicos das Letras

“O Sentimento Trágico da Vida” de Miguel de Unamuno


Capítulo XXIV
  


“Del Sentimento Trágico de la Vida en los hombres y en los pueblos” de Miguel de Unamuno (1864-1936) é uma obra-prima do pensamento europeu. A obra foi terminada em 1912 e foi recebida com muitas incompreensões. Hoje apresenta toda a sua força e pujança, ao lado das de Marco Aurélio, Kierkegaard ou Antero de Quental, na interrogação sobre a existência humana.

Não será a consciência uma enfermidade? – pergunta o autor. E qual o ponto de partida pessoal e afetivo de toda a filosofia e de toda a religião? Afinal, não podemos conceber-nos como não existência. Daí a sede de imortalidade inerente à existência pessoal, como pulsão vital dificilmente racionalizável. Assim se entendem as limitações da teologia, incapaz, muitas vezes, de responder às interrogações essenciais. O que une a fé do carvoeiro à de Teresa de Ávila? A cada passo os diversos racionalismos procuram respostas demonstráveis, para as angústias vitais, mas as soluções depressa se transformam em dissoluções.

Demonstram-se os limites? Justificam-se? Paradoxalmente, sendo limites, deixam sempre campo para o que não pode demonstrar-se. Hume ou Kant disseram-no com meridiana clareza. Leia-se o “Parménides” de Platão – “cada um existe e não existe, ele e o outro existem e não existem, aparecem e não aparecem em relação a si mesmos e uns em relação aos outros”. E Miguel de Unamuno acrescenta: “Todo o vital é irracional, e todo o racional é antivital, porque a razão é essencialmente cética”. O racional é relacional e a razão limita-se tantas vezes a relacionar elementos irracionais…

Sente-se intensamente o passo laborioso do pensador, interrogando-se, jogando com os elementos disponíveis, em busca da verdade, como realidade fugidia e contraditória. E encontra o amor, a dor e a compaixão - amor filho do engano e pai do desengano, consolo no desconsolo, único remédio contra a morte… E sente-se no amor que a carne tem espírito. “Queremos não só salvar-nos, mas salvar o mundo do nada. E para isto Deus. Tal é a sua finalidade sentida”. A fé inicial é informe, vaga, caótica, potencial. É a esperança que a orienta - “se a fé é a substância da esperança, esta é por sua vez a forma da fé”. O Deus cordial leva-nos à vida, à dor e à compaixão - e à caridade como impulso para libertar o próximo da dor. Aí está o cerne da espiritualidade. Escândalo, agonia (no sentido grego de luta) e loucura - “e é loucura grande querer penetrar no mistério além-túmulo; loucura querer sobrepor as nossas imaginações, cheias de contradição íntima, por cima do que uma sã razão nos dita”. E o salmantino cita o nosso Antero: “Disse um homem de Estado inglês (…), que era também por certo um perspicaz observador e um filósofo, Horácio Walpole, que a vida é uma tragédia para os que sentem e uma comédia para os que pensam. Pois bem: se temos de acabar tragicamente, nós, portugueses, que sentimos, talvez prefiramos esse destino terrível, mas nobre, ao outro que nos está reservado, e num futuro não muito remoto, a Inglaterra que pensa e calcula, porventura tenha o destino de acabar miserável e comicamente”. E a personagem de Quixote, símbolo da humanidade contraditória, vem à baila – “a ciência não dá a D. Quixote o que este lhe pede. ‘Que não lhe peça isso – dir-se-á; que não se resigne, que aceite a vida e a verdade como são’. Mas ele não as aceita, e pede sinais, sobre que faz Sancho, que está a seu lado. E não é que D. Quixote não compreenda quem assim lhe fala, ele que procura resignar-se e aceitar a vida e a verdade racionais. Não; as suas necessidades efetivas são maiores. Pedantearia? Quem sabe!...” E assim continuamos a clamar no deserto, segundo o sentimento trágico da vida…

Unamuno sentiu-o na pele à beira da morte, como ressentimento trágico, no paraninfo de Salamanca, a 12 de outubro de 1936, perante o grito de Millán Astray “Abajo la Inteligencia!; Viva la muerte!”. “Às vezes ficar calado equivale a mentir, porque o silêncio pode interpretar-se como aquiescência (…) Este é o templo da inteligência. E eu sou o sumo-sacerdote. Estais a profanar o seu recinto sagrado. Vencereis, porque vos sobra a força bruta. Mas não convencereis. Para convencer há que persuadir. E para persuadir seria necessário algo que vos falta: razão e direito na luta. Parece-me inútil pedir-vos que penseis na Espanha…”

 

Agostinho de Morais

 


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