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Gulbenkian, que não gostava de exposição, agora tem a sua exposição

É uma viagem à volta dos vestígios que uma existência deixa. Neste caso trata-se da vida de Calouste Gulbenkian, que criou a instituição de beneficiência que mais terá influenciado o Portugal da segunda metade do século XX.

O cartaz que no final é dado aos visitantes da exposição_ Miguel Manso Átrio do edifício-sede da Gulbenkian_ Miguel Manso As malas de viagem de Gulbenkian_ Miguel Manso Fase de montagem da exposição_ Miguel Manso Alguns dos livros da sua biblioteca_ Miguel Manso Imagem da casa de Paris_ Miguel Manso Convite de casamento_ Miguel Manso Numa sala arte-pop, com os símbolos das empresas de petróleo, gás e mineração espalhadas pelo mundo onde detinha participações_Miguel Manso Era um viajante regular, havendo diários de viagens, desenhos, postais ou fotos que o comprovam_Miguel Manso Uma exposição onde a proposta passa por ser o visitante a “juntar os diferentes fragmentos” da vida de Gulbenkian_Miguel Manso


“Calouste Gulbenkian foi sempre reservado e nunca quis exposição”, disse, às tantas, o curador Paulo Pires do Vale, na visita guiada a Calouste: Uma Vida, Não Uma Exposição, que se inaugurou na fundação que tem o seu nome, no dia em que é assinalado que cumpriria 150 anos de vida, apesar de não se saber com total exatidão a sua data de nascimento.

Ele não queria exposição, mas agora Calouste Gulbenkian (1869-1955) é alvo de uma. Quem for à procura de decifrar os muitos mistérios em torno da sua vida e legado não será aqui que os irá encontrar. Como constatava, em entrevista recente ao PÚBLICO, Jonathan Conlin, o académico que redigiu a sua nova biografia, “o Sr. Gulbenkian era muito bom a guardar segredos.”

Na mostra, que ficará patente até 31 de dezembro na galeria do piso inferior, no edifício-sede da instituição, acedemos a diversas facetas do empresário e filantropo, mas falta sempre algo para se obter um retrato mais conclusivo. Isso mesmo é assumido pelo curador, argumentando que a proposta passa por ser o visitante a “juntar os diferentes fragmentos” e a criar a sua própria imagem de Calouste. É por isso que Paulo Pires do Vale fala de uma mostra em aberto, sem pretensões de fornecer uma “biografia fechada”, mas sim algo onde o espectador sinta que é parte integrante de um jogo, mais do que de uma simples testemunha de uma exposição.

Os dispositivos remetem para essa interrogação de como é possível representar uma existência multifacetada num espaço expositivo. “O próprio título da exposição remete para essa impossibilidade de representar na totalidade uma vida”, afirma. O que temos, então, são “vestígios que uma vida deixa.” São sinais, sintomas ou traços que cada um irá arquitetando, guiados pela informação que vai sendo fornecida.

Por um lado, temos uma figura mais pública, o empresário, o filantropo, o colecionador de arte ou o amante da natureza, e, por outro, a personalidade menos codificada que entrevemos através dos seus desejos e ações mais privadas, numa mostra organizada temporalmente em sentido contrário. Começa na sua morte, para se concluir no nascimento.

Antes, ainda existe o seu legado, a que acedemos no átrio do edifício-sede, através de vários testemunhos recolhidos em vídeo. Depoimentos de visitantes de exposições ou de concertos marcantes. De figuras que foram abrangidas por bolsas na sua formação ou ao longo do seu percurso. Ou simplesmente casais de namorados que foram usufruindo do espaço da fundação.

À entrada, vemos imagens da construção da fundação e também do telegrama enviado pela filha, Rita, ao irmão, Nubar, comunicando a notícia da morte do pai Gulbenkian a 20 de julho de 1955É também logo no início que os vigilantes — numa primeira de várias intervenções ao longo do percurso expositivo — fornecem aos visitantes dois cartões, cópias dos encontrados na carteira de Gulbenkian, quando ele morreu. Um deles tem uma citação do empresário e magnata Henry Ford e o outro do filósofo romano Séneca, dando-nos a ver duas facetas diferentes. A mensagem de Ford evoca uma fórmula de sucesso que passaria por ter uma vida reservada, enquanto a de Séneca exorta à existência vivida com intensidade, sugerindo, como diz Paulo Pires do Vale, um homem que é simultaneamente “prático” e também atento às “coisas do espírito.”

Depois ficamos a saber que o arménio que chegou a Lisboa em 1942, instalando-se no Hotel Aviz, gostava de ir assiduamente ao jardim zoológico ou para a zona florestal de Monsanto, durante as manhãs, ou à noite, para observar as estrelas. Isto se os “médicos deixassem”, diz Paulo Pires do Vale, já que o multimilionário seria hipocondríaco e “teria cerca de 44 médicos.” Aliás, muitos dos livros exibidos focam precisamente assuntos de saúde e exibida é uma radiografia da sua coluna vertebral.

Para além dos assuntos médicos, acedemos também ao homem que se interessa pela natureza e que criou na Normandia, em 1937, o jardim Les Enclos, ou o viajante regular, que tinha também residências luxuosas em Paris e em Londres, havendo diários de viagens, desenhos, postais ou fotos que o comprovam. E, claro, representado está também o bem-sucedido homem de negócios — “o senhor 5%”, como ficou conhecido devido à participação que detinha na Companhia de Petróleo Turca — numa sala de configuração mais arte-pop, com os símbolos das empresas de petróleo, gás e mineração espalhadas pelo mundo onde detinha participações.

O colecionador está também retratado, seja por obras que obteve, como a última comprada por ele (A Rua de Saint-Vincent, de Stanislas Lépine) ou por outras que desejou mas nunca conseguiu adquirir, como La Condesa de Chinchón, de Goya. “O que define os colecionadores são também essas ausências”, justificará Paulo Pires do Vale, que optou por expor uma moldura vazia com as dimensões do quadro de Goya para simbolizar essa ambição nunca satisfeita de quem coleciona, fazendo-o através de um dispositivo que recria manifestações da arte contemporânea. Como acontece também numa moeda exibida com vários focos a incidirem nela, forma de enaltecer a sua grandeza, apesar da sua pequenez, num tipo de mecanismo que recria uma instalação do artista chileno Alfredo Jaar.

Apesar de menos presentes, existem também vestígios mais pessoalizados, como registos de correspondência, notas de agenda ou fotos da família, numa exposição que termina numa sala com alusões à cultura arménia, podendo, no final, os visitantes levar para casa um cartaz que reproduz a cronologia que nos acompanha ao longo da mostra e um retrato do próprio Gulbenkian como se tivesse sido concebido por Andy Warhol. 

“O passado nunca está fechado e nunca há uma biografia totalmente definida”, haverá de reforçar Paulo Pires do Vale, numa exposição aberta aos mais diversos olhares e significações. Quem já conhecia muitos dos vestígios agora recolhidos terá oportunidade de os reinterpretar. Quem for tomar contacto pela primeira vez com o universo do Sr. Gulbenkian confrontar-se-á com pistas e também enigmas, numa exposição que termina com o seu nascimento, possivelmente a 23 de março de 1869, há 150 anos.


por Vítor Belanciano in Público | 23 de março de 2019
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público 

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