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Almada, a margem do rock em quase 60 anos de histórias
Na Margem: Uma história do rock é uma exposição que traça a história do rock almadense desde 1961. Está patente no Museu da Cidade de Almada desde janeiro e ficará lá até setembro.
Quando chegou a Portugal em 1963, vindo de Moçambique e Angola, Victor Gomes procurava uma banda de rock'n'roll para o acompanhar. Foi logo à Trafaria encontrar-se com os Gatos Negros, sobre os quais o músico e apresentador João Maria Tudela lhe tinha falado. Não foi à toa que um dos reis do rock português, um fenómeno que passou pela rádio, pelos palcos, tanto da música quanto da revista, e pelo cinema, rumou à Margem Sul do Tejo. A cidade de Almada tem sido, ao longo dos anos, pródiga em bandas rock.
É isso que se pode ver em Na Margem: Uma história do rock, a exposição que se pode ver no Museu da Cidade de Almada, na Cova da Piedade, até setembro. Dividida em dois pisos e centrada em três períodos diferentes — de 1961 a 1977, de 1978 a 1989, e de 1990 a 2004 —, a exposição reúne artefactos de cinco décadas de rock ali nascido. Vai dos tempos dos já mencionados Gatos Negros, dos bailes, das festas associativas e das influências dos Shadows, até ao hardcore, com psicadelismo e punk pelo meio.
A divisão acontece porque "são três períodos distintos, mesmo em contextos sociais, económicos e políticos", explica ao PÚBLICO Ana Costa, coordenadora-geral da exposição, garantindo que se trata já de uma das mais visitadas deste museu inaugurado em 2003 (desde 12 de janeiro foi vista por 1250 pessoas). E o que aconteceu desde 2004 não está tão representado porque "há pouca distância para analisar o que se passou nos últimos dez ou 13 anos", argumenta.
Podem ver-se em Na Margem discos, sejam da música da terra ou de inspiração, revistas, posters, bilhetes, guitarras — muitas da marca italiana Eko ou réplicas, algumas artesanais —, roupa, maquetas, cadernos de poemas, bonecos, fotografias e até um documentário de uma hora com depoimentos de alguns notáveis da cena musical almadense.
A preparação da exposição começou em 2017. Ana Costa trabalhou em parceria com Ângela Luzia e Margarida Nunes neste projeto em que estiveram envolvidas ao todo 130 pessoas. Ela própria almadense, teve uma adolescência que passou pelo Ponto de Encontro, um lugar-chave da cena musical da cidade nos anos 1990.
Como tudo começou
A ideia nasceu, partilha, de outras exposições: "O rock é um fenómeno muito associado a Almada. Noutras exposições que temos preparado, era recorrente haver referências a isso ou a algum músico que pertenceu a uma banda." Como o Museu da Cidade traça a história da localidade, acharam "interessante tentar perceber onde é que isto começou em Almada" e explorar "a ideia que as pessoas de fora têm de uma certa especificidade suburbana, com um som mais escuro e pesado".
Para preparar tudo, fizeram entrevistas prospetivas sobre histórias que já conheciam, como a de Victor Gomes na Trafaria. "Os Gatos Negros foram a banda que, com o som que se fazia e que era muito consumido aqui, conseguiu fazer a passagem de banda de baile para um conjunto de rock'n'roll. Nos jornais da época, a primeira vez que é apresentada uma banda de rock'n'roll são eles."
Feitas essas primeiras entrevistas, começam a procurar mais material na imprensa e nos "arquivos de coletividades, que é onde as bandas acabavam por se apresentar", e a falar com pessoas para encontrarem testemunhos orais. "As próprias pessoas foram-nos dando folhetos, documentos, contratos com editoras", diz.
Fizeram, dizem, 64 entrevistas a músicos de várias gerações, entre os quais Filipe Mendes, ou seja Phil Mendrix, que morreu recentemente. Também estão incluídos, entre outros, Tim, dos Xutos & Pontapés, Carlão, de Da Weasel, António Manuel Ribeiro, dos UHF, João Miguel Fonseca, de Bizarra Locomotiva, Thormentor, Plastica ou Mofo.
Depois o hip-hop?
Em termos das fontes, afiança, tentaram "ter um equilíbrio entre mulheres e homens e também entre gerações. A pessoa mais nova, Sara Cunha, dos SpeedCristal, tem 24 anos". Esse tal equilíbrio de género começa a surgir mais, conta, "nos anos 1990", dando o exemplo das Black Widows, banda de metal gótico feminina formada nessa década. Na exposição é mencionado o exemplo de Nela Ribeiro, dos Atlantes, que também cantou com os Falcões em algumas atuações, e, até à década de 1980, era a única mulher proeminente na música da cidade.
A ideia era perceber as mudanças pelas quais o rock tinha passado ao longo dos anos. "A cultura juvenil mudou, hoje é tão diferente", comenta a organizadora. Foram 507 as bandas de originais identificadas durante a pesquisa. Dessas 507, 277 foram formadas nos anos 1990. Hoje, estimam, existem 100 em atividade, "a maior parte projetos efémeros e maioritariamente masculinos", sintetiza uma das legendas da exposição.
No presente, em Almada, existem também mais locais para aprender música, facilidade de acesso a instrumentos, a espaços de ensaio e a estruturas técnicas. Ainda assim, resume Ana Costa, "a expressão coletiva, territorializada e com mais impacto, é o hip-hop". E isso daria facilmente outra exposição. Por enquanto, ainda não há planos formalizados para isso avançar, mas, garante, a equipa foi-se cruzando com muito material sobre o assunto. É esperar para ver.
por Rodrigo Nogueira in Público | 27 de fevereiro de 2019
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público