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Persona: a revista que relançou os estudos pessoanos nos anos 70
Criada no Porto em 1977, foi a primeira revista inteiramente dedicada a Fernando Pessoa e centrou durante quase uma década a investigação e debate em torno da sua obra. Regressa agora em edição fac-similada.
A Casa Fernando Pessoa lança esta quinta-feira com a Tinta-da-china uma co-edição fac-similada de Persona, a revista que Arnaldo Saraiva, Maria da Glória Padrão e José Augusto Seabra fundaram em 1977 e que relançou os estudos pessoanos a partir do Porto.
Os seus 12 números (contando como dois o número duplo que encerrou a revista em dezembro de 1985) são não apenas um marco incontornável na cronologia dos estudos pessoanos, mas também um repositório de textos hoje muitas vezes difíceis de encontrar e que em alguns casos continuam a merecer ser confrontados com as incontáveis leituras contemporâneas da obra de Pessoa.
Na sessão de lançamento na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, a revista será apresentada por Fernando J. B. Martinho, autor de Pessoa e a Moderna Poesia Portuguesa: do Orpheu a 1960 (1983) – referido no n.º 9 de Persona como um dos livros pessoanos então no prelo –, e por António Guerreiro, que teria constado da lista de colaboradores da revista se o número 13, que incluía um artigo seu, não se tivesse ficado, como o Orpheu 3, pelas provas tipográficas.
A revista terá ainda um segundo lançamento no Porto, no palacete dos Viscondes de Balsemão, onde intervirão Maria Irene Ramalho e Maria de Fátima Marinho, ambas colaboradoras da Persona, e a segunda também secretária da redação da revista desde o primeiro número.
Além dos vários números da revista, fac-similados um a um e acondicionados num arquivador, esta reedição inclui ainda um pequeno caderno, com o mesmo formato rigorosamente quadrado que João Machado concebeu para a revista, no qual Arnaldo Saraiva evoca brevemente as circunstâncias do nascimento de Persona e Jerónimo Pizarro republica o texto Em memória da 'Persona', originalmente publicado em 2011 num volume de homenagem a Arnaldo Saraiva.
“Pessoa tinha entrado na Universidade pela mão do Nemésio, ainda no fim dos anos 30, e depois tinha havido a tese do Jacinto do Prado Coelho, nos anos 40, mas ficou tudo muito por aí, e quando em 1960 entrei para a Faculdade de Letras, em Lisboa, ninguém falava dele”, observa Arnaldo Saraiva ao PÚBLICO. Uma experiência que se repetiu quando foi depois estudar para Paris como aluno de Roland Barthes. “Os meus colegas eram gente culta, mas nenhum o conhecia”, conta. “Eu dizia-lhes que não sabiam o que perdiam, porque a verdade é que a França não tinha poeta nenhum ao nível do Pessoa”.
Claro que em meados dos anos 70 a bibliografia dedicada a Pessoa, parte dela de autores estrangeiros, já era considerável. Mesmo assim, diz Saraiva, “nas décadas de 50 e 60, era sobretudo conhecido entre poetas”. E está convencido de que não é por acaso que, após o lançamento da Persona, “é criada uma cadeira de estudos pessoanos em Lisboa, Fernando Pessoa aparece em livros escolares, pintores e músicos interessam-se pela sua obra, o João Botelho realiza o filme Conversa Acabada [1981]…”
Frequentador do espólio de Pessoa, então conservado em casa da irmã do poeta, desde o seu primeiro ano de faculdade, Arnaldo Saraiva foi alimentando vários projetos pessoanos, mas só depois do 25 de Abril teve condições para avançar com a criação de um Centro de Estudos Pessoanos (CEP), que teria na Persona a sua face mais visível, mas que foi também responsável por uma série de pioneiros congressos pessoanos, o primeiros dos quais promovido em 1978 na Fundação Eng.º António de Almeida, no Porto, por onde passaram os principais pessoanos portugueses, da geração de Joel Serrão, Jacinto Prado Coelho e Eduardo Lourenço à de Yvette Centeno ou Eduardo Prado Coelho, mas também pioneiros estrangeiros dos estudos pessoanos, como Armand Guibert, Georg Rudolf Lind, Stephen Reckert, Luciana Stegagno Picchio ou Ángel Crespo.
Para dirigir o CEP e a Persona, Saraiva foi buscar dois colegas de Faculdade: Maria da Glória Padrão, que publicara A Metáfora em Fernando Pessoa em 1973, e José Augusto Seabra, que editara pela mesma altura a sua tese de doutoramento com o título Fernando Pessoa ou o Poetodrama. Seabra, no entanto, abandonaria a revista com o número 4 já na tipografia, na sequência de uma colaboração que propusera e que os outros dois diretores não consideraram adequada ao perfil da revista.
O que torna Persona uma publicação ainda mais significativa para a história da divulgação e estudo da obra de Pessoa é o facto de ter abarcado os anos em que se começou a preparar, e finalmente se concretizou, a publicação do Livro do Desassossego (LD), hoje reconhecido como uma das peças-chave da literatura europeia do século XX. Em 1979, três anos antes de a Ática publicar a 1.ª edição do LD, organizada por Jacinto do Prado Coelho a partir das transcrições de Maria Aliete Galhoz e Teresa Sobral Cunha, a Persona publicava, no seu terceiro número, um extenso texto inédito de Jorge de Sena sobre o LD – primeira escolha da Ática para organizar o livro, Sena morrera em 1978 –, acompanhado de um artigo em que Arnaldo Saraiva recordava as circunstâncias em que este se ocupara do Livro do Desassossego e acabara por se sentir forçado a desistir do projeto. O mesmo número incluía ainda um depoimento de Maria Aliete Galhoz e dois inéditos do LD.
A diretora da Casa Fernando Pessoa (CFP), Clara Riso, conta que a ideia de reeditar a revista lhe ocorreu em 2017, quando ouviu José Blanco, que intervinha na mesa final do Congresso Internacional Fernando Pessoa que a CFP promoveu na Gulbenkian, “explicar o papel que a revista teve nos anos 70 e 80, o traço que esta deixou e a falta que faz”. Uma falta que, precisa, não resulta apenas da “importância documental da revista, do papel de indiscutível relevância que desempenhou num determinado período da história dos estudos pessoanos, mas também do seu conteúdo, dos textos que ali estão e que, em muitos aspetos, foram pioneiros e ainda hoje têm atualidade”.
Além de ser totalmente dedicada a Pessoa (com a exceção do 10.º número, que presta tributo a Camilo Pessanha), Persona tinha a ainda a particularidade de somar aos artigos e ensaios que publicava, uma secção final com noticiário pessoano variado. No texto de Jerónimo Pizarro que acompanha esta reedição chama-se a atenção para uma curiosa notícia avançada no n.º 4, que dá conta de uma intenção nunca concretizada e que está hoje esquecida. Sob o título Espólio de Fernando Pessoa, adianta essa nota que, “de acordo com as intenções do Secretário de Estado da Cultura – o professor e escritor Helder Macedo (…) –, o espólio de Pessoa deverá ser transferido para o recém-criado Museu Nacional de Literatura (Porto), logo que este esteja em condições de o acolher e de facultar a sua consulta”.
por Luís Miguel Queirós in Público | 21 de fevereiro de 2019
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público