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A revolução é para continuar nas galerias municipais de Lisboa

Nova direção de Tobi Maier vai tornar mais internacionais os espaços de exposições temporárias de arte contemporânea da câmara. Curador alemão, que tem promovido o modelo das residências artísticas e curatoriais, trabalhou no Brasil até há pouco tempo.

A instalação de António Bolota, Assentamento, ocupa agora a longa nave da galeria Quadrum_Nuno Ferreira Santos A ainda diretora das galerias municipais, Sara Antónia Matos, espera que a grande nave seja convidativa para artistas que usam o espaço como matéria de trabalho_Nuno Ferreira Santos O curador alemão Tobi Maier chega a Lisboa a 1 de março_Pablo Saborido A Quadrum teve um papel histórico na cena experimental portuguesa dos anos 70 e 80_ Nuno Ferreira Santos A icónica fachada da galeria que a câmara agora reserva aos artistas com um percurso consolidado e a propostas mais experimentais_Nuno Ferreira Santos


A última inauguração da Galeria da Boavista, em Lisboa, confirmou a tendência de crescimento do público deste pequeno espaço municipal próximo do Cais do Sodré. O passeio em frente à porta não chegou para conter quem chegava à exposição comissariada por Ana Cristina Cachola e a multidão estendeu-se ao outro lado da Rua da Boavista.

“Deixámos de contar quando chegámos às 340 pessoas, mas o público da Galeria da Boavista está a crescer exponencialmente de exposição para exposição”, diz Sara Antónia Matos, diretora das galerias municipais, sobre este espaço reativado em 2017, um dos cinco que a Câmara Municipal de Lisboa tem para exposições temporárias de arte contemporânea. “Percebemos que esta geração mais jovem de artistas e de curadores precisava de um espaço para si, porque nenhuma das galerias municipais lhe estava dedicado.

Este é um espaço ideal para este tipo de experimentação, porque não é uma galeria grande que assuste e está numa zona da cidade mais alternativa.”

Foi no dia da inauguração desta exposição que mostra o trabalho dos artistas Ana Rebordão, António Neves Nobre, Salomé Lamas, Igor Jesus, Carla Filipe e Pedro Barateiro, a maioria nascida nos anos 80, que a Empresa de Gestão de Equipamentos e Animação Cultural (EGEAC) anunciou o nome do substituto de Sara Antónia Matos – o curador, investigador e crítico de arte alemão Tobi Maier.

“Fiquei muito contente com a escolha. Foi uma surpresa”, comenta Sara Matos, esclarecendo que fez questão de não se envolver diretamente na escolha do novo diretor para não influenciar o futuro das galerias que lidera desde janeiro de 2017, direção que acumulou com a do Atelier-Museu Júlio Pomar, onde agora se manterá mais dedicada à investigação.

Com um júri que incluiu a presidente da EGEAC, Joana Gomes Cardoso, e os curadores Sérgio Mah e Isabel Carlos, foi selecionado o único concorrente estrangeiro entre 15 candidaturas apresentadas. A presidente da EGEAC diz que não houve nenhum deslumbramento com o facto de Tobi Maier vir de fora, notando que a maior parte dos dirigentes camarários não são estrangeiros. Mas quando anunciaram o processo de recrutamento receberam alguns pedidos de informação a indagar se os não-nacionais podiam concorrer: “Achámos perfeitamente possível desde que houvesse o mínimo, nomeadamente que o candidato falasse português e tivesse uma ligação ao meio artístico de cá. O Tobi Maier foi simplesmente o que teve a melhor candidatura e entrevista, que melhor completava o perfil de ‘coordenador-curador’.”

A questão do tipo de perfil pretendido colocou-se na primeira reunião do júri: a EGEAC procurava um curador-coordenador ou um coordenador-curador? “Na perspetiva de que o papel das galerias é preencher lacunas a que outras instituições e entidades culturais de Lisboa não conseguem dar resposta, a ideia não era ter apenas um curador. Não queremos desvalorizar o papel da curadoria, mas procurávamos alguém que conseguisse ter uma visão um pouco mais estratégica, uma visão de certa forma política, no sentido institucional. Uma pessoa capaz de perceber o meio e de trabalhar para preencher essas lacunas.”

A cada galeria a sua função

Além da Galeria da Boavista, as galerias municipais são constituídas por mais quatro espaços espalhados pela cidade: a Galeria Quadrum (Alvalade), o Pavilhão Branco (Museu da Cidade), o Torreão Nascente da Cordoaria e a Galeria da Avenida da Índia (Belém). Se a Boavista é o espaço dos artistas emergentes, a Quadrum, que viu há poucos meses o seu espaço recuperado, é para artistas com um percurso consolidado e propostas mais experimentais, nomeadamente na área da performance.

Pela sua dimensão monumental, o Torreão da Cordoaria Nacional posiciona-se no extremo oposto, com um perfil orientado para retrospetivas de artistas já com nome ou grandes exposições coletivas — neste momento mostra-se aí a coleção da Fundação ARCO de Madrid. No meio, está o Pavilhão Branco que acolhe artistas com um percurso consolidado ou a meio da carreira, enquanto a Galeria da Avenida da Índia se especializa em temáticas pós-coloniais ligadas à lusofonia ou a outras geografias.

Tal como os outros candidatos, Tobi Maier, que chega a Lisboa a 1 de março vindo de Berlim, entregou uma proposta de programação para as cinco galerias, que coletivamente terão um orçamento entre 400 e 600 mil euros (em 2018 foi de meio milhão de euros).

“Pedimos aos candidatos uma proposta para ver como se concretiza um pensamento em termos de programação, mas trata-se de um exercício e a ideia não é necessariamente implementá-la”, diz Joana Gomes Cardoso. Adianta, no entanto, que a proposta de Tobi Maier trazia uma ênfase internacional, sublinhando duas das suas experiências fora da Alemanha, a com o Museu de Arte de São Paulo (MASP), onde durante um ano coordenou um programa para a formação de artistas e curadores, e a do Goethe-Institut de Nova Iorque, onde criou um programa de residências.

“Posso dizer que a sua proposta vinha com uma grande ligação ao Brasil, o que é natural porque os últimos anos da sua vida profissional foram passados aí. Ele tem essa vontade de criar cruzamentos e diálogos e uma grande experiência no campo das residências artísticas e curatoriais. Sabe o que é trabalhar para uma entidade que não é apenas artística, mas que tem também um perfil e uma missão institucional.” Sem querer criar muitas expectativas, Joana Gomes Cardoso diz que as residências são uma das lacunas identificadas em Lisboa. “Com o interesse que a cidade desperta, ter alguém com experiência nessa área talvez nos permita construir algo um bocadinho mais consistente.”

Por onde andou o novo diretor

Tobi Maier, 42 anos, que já viveu em Lisboa no final dos anos 90 durante alguns anos e fala português, deixou para mais tarde uma conversa com o PÚBLICO sobre as suas ideias para as galerias municipais.

O curador alemão, que fez o seu mestrado em Estudo Curatoriais em Londres, no Royal College of Art, começou por trabalhar na Frankfurter Kunstverein, sob a direção da curadora espanhola Chus Martínez, onde esteve de 2006 a 2008. Transitou depois para o Ludlow 38, em Nova Iorque, para dirigir este centro para a arte contemporânea do Goethe-Institut até 2011, onde lançou um programa de residências para jovens curadores. “Transformou um cargo com uma perspetiva de vários anos numa residência para curadores alemães, criando uma rotatividade que ainda dura hoje”, conta o artista português Hugo Canoilas, que conheceu este alemão no Royal College de Londres.

“Ele foi absolutamente marcante para mim”, diz este artista que vive e trabalha em Viena e já fez vários projetos com Tobi Maier, entre Frankfurt, Espanha e São Paulo. “É uma pessoa com uma grande capacidade curatorial, com uma enorme curiosidade. Está muito inteirado das tendências, mostrando uma grande abertura para as questões mais prementes, com as de género ou da descolonização.”

Tobi Maier chega ao Brasil em 2011 para integrar a equipa de curadoria da 30.ª Bienal de São Paulo, instalando-se na cidade onde colabora com a Galeria Jaqueline Martins e co-funda o espaço Solo Shows, que opera de 2015 a 2018. É nesta cidade que faz o doutoramento em Poéticas Visuais pela Escola de Comunicações em Artes da Universidade de São Paulo. “Foi na Bienal de São Paulo que eu percebi que ele era um animal de trabalho. Criou uma dinâmica muito positiva, estabelecendo laços com o público mais restrito da arte contemporânea, mas também com um público mais alargado através da criação de uma estação de rádio na bienal”, acrescenta Canoilas.

Mais recentemente, com este artista português, Maier editou um número duplo (80/81) da revista OEI dedicado a Ernesto de Sousa (1921-1988), cineasta, fotógrafo, performer e também curador, uma figura fundamental para a renovação das práticas artísticas em Portugal na segunda metade do século XX. Entre as várias revistas de arte contemporânea para que escreve, como a Artforum, a ArtReview, a Frieze, a Flash Art ou a Texte zur Kunst, é possível encontrar textos dedicados a uma exposição sobre o SAAL (arquitetura pós-revolucionária), com curadoria de Delfim Sardo, quando esta mostra viajou até ao Canadian Centre for Architecture vinda do Museu de Serralves, no Porto, ou às retrospetivas de Wlademir Dias-Pino, no Museu de Arte do Rio de Janeiro, e de Bruce Nauman, no Schaulager, em Basileia. 

Hugo Canoilas diz que Tobi Maier deverá continuar nas galerias municipais a “revolução” trazida pela dinâmica criada por Sara António Matos e Pedro Faro, adjunto da direção para a área curatorial, já iniciada anteriormente por João Mourão. “Há um antes e um depois.

Eles criaram uma estratégia curatorial para cada espaço, mas nota-se também um maior investimento da câmara. Há uma atividade muito mais proveitosa, porque precisamos destes espaços não só para expor, mas também para ver. Criaram-se espaços para jovens, espaços para artistas a meio da carreira ou outro onde artistas com um certo tipo de discurso, como o pós-colonial, se podem encontrar. Isso vai dar-nos vida a médio e a longo prazo.”

O artista, que tem agora a sua obra exposta numa coletiva da galeria espanhola Maisterravalbuena, que abriu há dois anos um espaço em Lisboa com a dinâmica criada pela ARCOlisboa, a feira que acontecerá este ano pela quarta vez, lembra ainda que a câmara também está a construir uma coleção de arte. “O Porto também está a fazer o mesmo. As duas cidades estão a crescer culturalmente através das câmaras. É muito saudável.

Sara Antónia Matos não quer comentar se o sucesso das galerias municipais se deve aos efeitos da crise ainda não terem deixado de se sentir entre as grandes instituições museológicas da cidade. “As galerias têm sofrido um processo de consolidação nestes dois anos, o que as torna apetecíveis. Em cada exposição, há uma fee para o artista e outra para o curador. Há valores para a produção, para a montagem, para o transporte, para os seguros. Implantámos catálogos em todas as exposições. De certa forma, estamos a dar um exemplo, um sinal, porque melhorar o meio é muito importante.”

Talvez o título da instalação de António Bolota, Assentamento, que está agora na Quadrum, resuma bem esta estratégia. Sara Antónia Matos, também curadora da exposição, usou o trabalho de Bolota, que cruza a escultura, a arquitetura e a engenharia dos materiais — neste caso o betão drenante utilizado para fazer pavimentos —, para mostrar as novas capacidades da Quadrum, uma galeria que teve um papel histórico na cena experimental portuguesa dos anos 70 e 80. Sem paredes, Sara Antónia Matos espera que esta longa nave seja convidativa para artistas que usam o espaço como matéria de trabalho.

Hugo Canoilas diz que a chegada da nova direção só pode criar outro "momento de desenvoltura" nas galerias municipais: “Tobi Maier já viveu cá e adora o país. Vai trazer algo, porque tem mais distância. Vai fazer novas pontes intelectuais entre nós e com outras pessoas lá fora. É um passo para dar um pouco mais de mundo à cena artística aqui. É um passo muito importante.”


por Isabel Salema in Público | 18 de fevereiro de 2019
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público 

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