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Paula Rego regressa com 80 obras "perdidas" que mostram os loucos anos 1980

Há um espólio gigantesco guardado na cave da Casa das Histórias de Paula Rego, uma pequena parte da vasta produção da pintora que tem a partir de quinta-feira uma nova exposição com obras que não se vê há muito tempo.

A curadora Catarina Alfaro. Foto Orlando Almeida/Global Imagens Os armários onde se guardam as obras de Paula Rego. Foto Orlando Almeida/Global Imagens Dois quadros de Paula Rego. Foto Orlando Almeida/Global Imagens Informação sobre os quadros, as gravuras e os desenhos guardados num dos armários na Casa das Histórias. Foto Orlando Almeida/Global Imagens Um dos quadros de Paula Rego. Foto Orlando Almeida/Global Imagens Paula Aparício, gestora da coleção da Casa das Histórias, e Catarina Alfaro, curadora da exposição, observam uma das recentes doações da pintora Paula Rego.  © Orlando Almeida/Global Imagens


O visitante da Casa das Histórias - Paula Rego nem imagina que debaixo das salas de exposição existem dois grandes espaços onde estão depositados mais de meio milhar de desenhos (273), gravuras (257) e pinturas cedidas a longo termo (28), além de quinze obras do marido da pintora, Victor Willing.

Este espólio de uma das mais importantes pintoras portuguesas deve-se a uma "uma decisão generosa tomada pela artista à data de inauguração do museu com o seu nome em 2009", lembra a curadora Catarina Alfaro, logo no início da visita à cave de onde uma coleção invejável de Paula Rego vai subindo para apresentações periódicas incluídas em exposições temáticas.

Um espólio que é uma ínfima parte da "vasta obra" de Paula Rego, acrescenta a responsável, e que é mantido em condições de conservação e de segurança. Basta olhar à volta e observam-se as medidas de proteção, como a extinção de um incêndio com gás próprio para eliminar o oxigénio ou medidores de humidade. Mas é dentro de enormes armários metálicos que estão resguardadas as obras que o visitante só vê quando se enquadram no tema de exposições, como é o caso da que a partir de quinta-feira volta a surpreender em Cascais.

É um grande regresso da obra de Paula Rego. pois a exposição Paula Rego: Anos 80vai exibir um conjunto de obras daquela década que não estavam acessíveis ao público por se encontrarem na maior parte em coleções particulares. Segundo Alfaro, houve uma grande investigação sobre quem as adquiriu e que agora aceitou cedê-las para voltarem a ser vistas: "Não vai contar tanto com as obras que temos no acervo da Casa das Histórias, porque através do levantamento realizado para esta exposição encontrámos obras que já não se via há muitos anos."

A reunião destas obras em mãos de particulares e colecionadores permitiu criar conjuntos temáticos que mostram a evolução técnica de Paula Rego: "Vai ser uma exposição que revelará referências da artista que, por exemplo, na altura se inspirou num livro de Jorge Luis Borges para criar as primeiras obras dos anos 1980." Paula Rego inspira-se nesse Livro dos Seres Imaginários, onde Borges faz um levantamento do bestiário universal: "É visível a influência nos anos 1980, bem como na obra de Basquiat, o que confirma que está muito a par das tendências artísticas dessa época."

Para Alfaro, a artista "sente finalmente que não era preciso fazer arte, ou seja, não é preciso ser-se artista e exprimir-se através da pintura e do desenho sem grandes compromissos técnicos. É isso que sente e agrada-lhe que a sua vida voltasse a entrar nas obras".

Assim, em 1981, quando abandona definitivamente as colagens na sua obra, vive um sentimento de liberdade em relação às expectativas impostas quanto ao modo de "fazer arte" que se traduzirá numa reformulação do processo de trabalho ao nível do universo narrativo e do tratamento formal.

Será que se pode dizer que esta nova exposição mostra quando Paula Rego descobre que não é preciso ser artista para fazer arte, pergunta-se a Catarina Alfaro: "Sim, há uma libertação relativamente aos processos anteriores que a artista tinha estabelecido e que eram mais complexos. Aqui é o fluir do pincel, e essa situação é muito bonita porque, como diz, sentia-se um sismógrafo ao registar os movimentos do pensamento, tudo de uma forma muito rápida e livre de autocensura." É a altura em que Paula Rego faz outro aproveitamento da cor e usa o acrílico como meio fundamental de trabalho: "Antes era a óleo e colagem. A nova técnica é mais rápida e eficaz, além de permitir uma coreografia gestual devido à fluidez, e é interessante ver fotografias dessa época em que usa grandes formatos - dois metros - e deita o papel no chão ao começar a trabalhar, sem que nada a interrompa e evitando o distanciamento em relação à obra. Tudo muda nos anos 1980."

"Os meus gostos mudaram"

A recolha dos quadros junto de particulares para a nova exposição tem sido uma grande dificuldade, como explica Alfaro: "Há obras que foram vendidas nos anos 1980 e não se sabe onde estão. No entanto, as mais de 80 obras que conseguimos localizar vão ser uma grande surpresa porque não se veem há muito tempo. É o caso das séries das Óperas e asVivian Girls que ficam mais completas e que, curiosamente, eram pinturas que ainda estavam em Portugal e nem se sabia. São séries muito coerentes e em que há uma continuidade."

Para Alfaro, nenhuma das obras desta nova exposição vai sobrepor-se às outras: "Complementam-se, pois algumas fazem parte da mesma série, e é mais uma exposição que explora a evolução da obra no início dos anos 1980, com temáticas comuns que já existiam. Desta vez, observa-se o aparecimento de um universo colorido e explosivo nunca feito, onde muitas vezes nem se percebe o que está acontecer. Podemos notar que há criaturas que interagem com os humanos - é a imagem de um paraíso perdido - mostrando que os anos 1980 trazem à artista um outro tipo de visão da pintura."

Paula Rego tem uma exposição em Londres em 1981 e é a partir daí que é descoberta, esclarece Catarina Alfaro: "O tempo era mais propício à novidade e as galerias abriam-se mais. A obra de Paula Rego era vista com grande frescura e de uma artista menos formal e com um grande entusiasmo - era uma artista promissora, ao contrário do que tinha acontecido nos anos 1960."

Não será por acaso que Paula Rego escreverá uma carta ao seu grande amigo Alberto Lacerda, conta Alfaro, em que diz: "Os meus gostos mudaram, sabes. Gosto menos do Dubuffet e da arte dos malucos e mais do Botticelli, que é muito inovador. Acho que o Botticelli tem tudo o que os Outsiders têm e até mais coisas, muito misteriosas. (...) O mistério interessa-me."

Esta nova exposição não fará vir Paula Rego a Portugal, por razões de saúde, mas a cave da Casa das Histórias continua a receber doações e a guardar obras em comodato. Segundo Alfaro, "os colecionadores particulares sentem que o museu é um espaço em que as obras podem ser apresentadas num contexto de grande dignidade e tem havido um aumento da coleção e do empréstimo a longo prazo de obras muito relevantes e que completam a representação dos anos 1990 e 2000". Também a pintora tem enviado algumas gravuras recentes e está em constante relação com o museu.

O valor das obras na cave é "incalculável", entre as quais muitos desenhos dos anos 1980: "Alguns faziam parte de cadernos de esboços e são muito importantes para se perceber a evolução da obra. Está tudo fotografado e inventariado." Apesar de ser um museu monográfico sobre uma artista, refere Alfaro, "temos uma programação que reflete a necessidade de fazer exposições temporárias até se esgotarem todos os aspetos da vasta obra da artista e um esforço para trabalhar temáticas menos estudadas e que exigem grande investigação".

Após Paula Rego: Anos 80, a cave da Casa das Histórias será a grande fonte da exposição que se segue: "Uma exposição de gravura para mostrar toda a obra gráfica de Paula Rego, que é muito interessante e que nunca foi explorada."


por João Céu e Silva in Diário de Notícias | 9 de dezembro de 2018
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Diário de Notícias

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