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Bertolucci, o mestre que não se confinou à Europa e brilhou em Hollywood

A sua ideologia de esquerda era bem patente nos filmes e apoiou publicamente o Partido Comunista Italiano. Chegou a declarar, em entrevista ao "The Guardian", nos anos 90, que só restavam três comunistas no mundo: Eric Hobsbawm, José Saramago e ele próprio.

Foto: Jean-Paul Pelissier/Reuters


Bernardo Bertolucci, que morreu na manhã desta segunda-feira, aos 77 anos, é consensualmente apontado como um dos grandes nomes do cinema italiano e deixa um extenso currículo com mais de 50 anos e dois Óscares de melhor realizador, além da adoração de muitos realizadores contemporâneos.

A par de Pasolini, Antionini e Fellini, Bertolucci liderou a "onda" do cinema italiano na Europa. No entanto, rompeu com a norma: enquanto muitos dos seus colegas apenas conheciam sucesso nos festivais de cinema europeus - como em Berlim, Veneza ou Cannes -, Bertolucci conseguiu ter êxito na Europa e em Hollywood.

Bertolucci estreou-se no cinema nos anos 60, como assistente do também icónico realizador Pier Paolo Pasolini. Pasolini, em troca, recomendou o jovem Bernardo, na altura com apenas 22 anos, para ser argumentista do filme "La Commare Secca", de 1962. Foi o primeiro filme que o realizador italiano escreveu e dirigiu.

A carreira continuou a subir a pique. Em 1968, ajudou Sergio Leone a escrever "Aconteceu no Oeste" e, nos anos 70, começou a cimentar a sua carreira como diretor.

A sua ideologia de esquerda era bem patente nos filmes e apoiou publicamente o Partido Comunista Italiano. Chegou a declarar, em entrevista ao "The Guardian", nos anos 90, que só restavam três comunistas no mundo: Eric Hobsbawm, José Saramago e ele próprio.

 

Em 1972, Bertolucci saltou para a ribalta de Hollywood, com as nomeações para os Óscares com os filmes "O Conformista" e "O Último Tango em Paris". O segundo filme, interpretado por Marlon Brando e Maria Schneider, é dos mais falados do realizador, mas nos últimos caiu em bastante controvérsia.

O percurso em Hollywood prosseguiu durante os anos 70 e 80. Em 1976, Bertolucci realizou outro clássico, "1900". O filme será apelativo pelo elenco - Robert De Niro, Gerard Depardieu e Burt Lancaster ... -, mas pode desmobilizar alguns pela duração: tem mais de cinco horas. O filme foi um fracasso comercial como foram, aliás, vários filmes de Bertolucci depois de "O Último Tango em Paris".

Em 1986, sai, contudo, o filme que torna Bernardo Bertolucci adorado em Hollywood. "O Último Imperador" é um marco do cinema: foi a primeira vez que um realizador conseguiu ter permissão para filmar dentro da Cidade Proibida, na China. Resultado: nove Óscares para o filme e dois para a casa de Bertolucci - Melhor Realizador e Melhor Argumento (partilhado por Mark Peploe).

O filme ainda lhe valeu o prémio de Melhor Realizador e Melhor Argumento nos Globos de Ouro e Melhor Filme nos BAFTA. Filmes como "O Confirmista", "O Último Tango em Paris", "Um Chá no Deserto" e "A Tragédia de Um Homem Ridículo" também deram prémios nos festivais de Cannes, Berlim, Veneza e Roterdão. No total, Bertolucci ganhou 49 prémios e foi nomeado outras 32 vezes.

Acabar a sonhar

O final da sua carreira de Bernardo Bertolucci foi marcado pela doença e por um regresso ao passado. Em 2003, lança "Os Sonhadores", um filme que marca o retorno do realizador às cenas de sexo explícito, à nudez despreocupada e à normalização do erotismo.

Para a atriz Eva Green, "Os Sonhadores" foi a sua estreia no grande ecrã e só tem coisas boas a dizer sobre filme, apesar do desconforto em mostrar o corpo. "Foi interessante quando saiu porque não teve muito sucesso. Em França, morreu muito depressa nos cinemas. Foi, depois de algum tempo, que as pessoas começaram a gostar. Eu adorei-o. Foi o meu primeiro filme, eu era uma grande fã do Bertolucci e é um filme muito livre", disse a atriz numa entrevista à revista "Vice".

O último filme de Bernardo Bertolucci já foi realizado a partir de uma cadeira de rodas. O realizador foi operado em 2003 a uma hérnia num disco na coluna, depois de cair, mas a cirurgia correu mal e deixou de poder andar.

Depois de "Os Sonhadores", quase dez anos depois, saiu "Eu e Tu", de 2012. O regresso ao cinema foi inesperado, já que Bernardo considerou deixar os filmes devido à doença.

"Há alguns anos, eu não me conseguia mexer. Não conseguia andar. Esse foi talvez o momento em que pensei que não conseguia fazer mais filmes. Eu pensei 'OK, acabou', vou fazer outra coisa qualquer'. Mas tudo mudou quando aceitei a situação", contou, em 2013, ao jornal "The Guardian".

"Eu e Tu" é a história de amor entre dois irmãos, um tema recorrente nos filmes de Bertolucci. Foi o último filme do realizador e dos mais simples, segundo o próprio. "Eu li este romance e pensei que o conseguia fazer. É simples. Era só duas personagens num cenário. Eu pensei 'consigo fazer isto, sem dúvida'. E, então, fiquei motivado de que conseguiria filmar outra vez."

Bertolucci, o mestre

Os temas explorados por Bernardo Bertolucci e forma como procurou inovar os argumentos que recebia recebeu elogios durante toda a carreira, apesar de toda a polémica dos últimos anos.

O seu trabalho nos anos 60 e 70 foi amplamente inspirados na nova vaga de cinema francês, liderada por Jean-Luc Godard. Aliás, o próprio Bertolucci filmou em Paris, procurando apanhar a revolução social em França. A inspiração nas mudanças em França e na crise italiana saída do fascismo é constante, tendo em conta o caráter revolucionário das suas intervenções.

Antes, e apesar da controvérsia associada ao filme "O Último Tango em Paris", ainda é visto com apreço por muitos realizadores e cineastas, pela forma como rompeu com as barreiras do cinema em torno do sexo e da nudez.

Luca Guadagnino, realizador do filme "Chama-me Pelo Teu Nome" - que venceu o Óscar de 2018 para Melhor Argumento Adaptado - disse que Bertolucci era das maiores influências para o filme e para o realizador.

Para trás fica um legado marcado pela inovação e pela controvérsia e também um conselho para os jovens realizadores, dado numa entrevista ao site "Filmmaker", em 2014: "Eu nunca ensaio. Em nenhum dos meus filmes. Eu não consigo ensaiar porque, para mim, em teoria, é uma perda de tempo. Eu prefiro que o ensaio aconteça em frente à câmara e que seja absorvido na filmagem."


in Rádio Renascença | 26 de novembro de 2018
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Rádio Renascença

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