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O Walkman, o frasco de molho de soja e o comboio-bala são puro design japonês no Porto
Japanese Design Today é a exposição que chegou a Portugal depois de mais de dez anos a viajar pelo mundo.
"Estima-se que usemos regularmente na nossa vida quotidiana quase 20 mil produtos" mas estes 100 contam parte da história da cultura material japonesa contemporânea.
A exposição chega em caixotes. Vinha num kit, qual Ikea versão Japão, 23 caixotes com cerca de 100 objetos de design japonês no seu interior. Vêm com instruções e parafusos e as instituições que os recebem, como é agora a vez da Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto (FBAUP), têm de montar tudo rigorosamente como já foi montado em mais de uma dezena de países. Tudo para o mundo ver o frasco de molho de soja Kikkoman, ou Walkman WM-2 da Sony ou o N.º1 Dress de Issey Miyake e perceber que no fundo está só a revê-los. Clássicos ou modernos, os frutos do design de produto japonês são o Japão, mas também o nosso fascínio por ele.
A mostra vinha então "num kit e é um modelo de exposição muito formatado e estandardizado, mas que funciona”, reconhece Lúcia Almeida Matos, diretora da FBAUP na galeria de exposições da faculdade onde também considera que a exposição pode ser útil para "mostrar aos estudantes de museologia e curadoria". Japanese Design Today inaugura-se esta quinta-feira, às 18h, e está no Porto até 15 de Dezembro – também a duração da exposição, um mês certo em cada cidade, está previamente definida pela Japan Foundation, que organiza a mostra. A exposição começou em 2004 e até hoje já passou pela Ásia, América do Norte e agora faz o périplo pela Europa. Começa com uma palestra do designer japonês Hiroshi Tsunoda esta quinta-feira, às 16h, na Aula Magna da Universidade do Porto, e pretende resumir em parte a cultura do Japão desde o pós-guerra até aos nossos dias (o objeto mais recente é de 2012).
“Esta exposição apresenta 100 objetos, 89 exemplos de design de produto que podem ser vistos hoje no Japão e 11 produtos que são característicos do design de produto japonês ao longo das últimas décadas”, diz o crítico de design japonês Hiroshi Kashiwagi no catálogo da exposição. “Estima-se que usemos regularmente na nossa vida quotidiana quase 20 mil produtos, por isso em comparação 100 não é um número muito grande. Acredito, contudo, que estes 100 produtos nos dão uma boa imagem de muitos aspetos da cultura japonesa contemporânea.”
Numa sala, sobre mesas erguidas por cavaletes ou expostos por si só, estão então estes testemunhos da cultura material japonesa e do nosso olhar sempre curioso sobre ela. Um dos principais motivos pelos quais nos atrai, arrisca Luís Pinto Nunes, responsável pela área de exposições da FBAUP, “é a funcionalidade. São objetos que correspondem muito facilmente com uma função, mas há um respeito pelo material”, exemplifica apontando os diferentes usos dados ao papel, do vestuário ao mobiliário e papelaria. Um dos principais conceitos que transmitem, continua, “é uma ideia de respeito pela tradição”.
Como é visível no núcleo dedicado ao design japonês clássico, um de dez e o primeiro em termos cronológicos, que concentra obras-chave de Riki Watanabe – o banco Stool (1956), de orientação mais moderna e internacional, e o Small Clock (2007) que, como brinca Luís Pinto Nunes, “podia estar à venda na Muji”, a loja de design de básicos oriunda do Japão. Mas clássico é também o Walkman WM-2 (1981) “um produto que iniciou um estilo de vida totalmente novo”, como postula Noriko Kawakami, vice-diretora do museu de design japonês 21_21 Design Sight, ou o tal frasco de soja (1961, desenhado por Kenji Ekuan) de 150 ml de pura eficiência e elegância discreta à mesa dos restaurantes de sushi de todo o mundo.
Além do design clássico, há outros nove núcleos: mobiliário, transportes, cozinha, roupa e acessórios, crianças, papelaria, hobbies, saúde e design para situações de catástrofe ou emergência. Transmitem, como escrevia em 2014 o crítico Hiroshi Kashiwagi, traços base do design japonês contemporâneo – “qualidades artesanais, minimalismo, atenção, compacto, fofinho”. No fundo, “características profundamente enraizadas na cultura tradicional japonesa”, garante o crítico.
Na exposição, aberta de terça-feira a sábado das 14h30 às 18h30, há imagens a representar objetos. Um deles, o mais recente e o número 100, é o comboio-bala que dificilmente caberia numa galeria. Há objetos nas suas mágicas versões “quadrado espalmado” que afinal é um desenho de 2010 do mestre das pregas e do design conceptual Miyake, ou um casaco vermelho que na verdade é um habitáculo para quase tudo transportar para situações de emergência a que o designer Kosuke Tsumura chamou adequadamente Final Home – “Home 1”. Loiça descartável, uma primeira máscara contra infeções para bebés com ursinho em decalque, a segunda versão do walkman da Sony.
Mais ou menos reconhecíveis, estes 100 objetos, próteses, motorizadas, rolos de fita-cola irresistíveis ou colheres de gelado que transmitem o calor da mão do utilizador ao doce e o tornam mais fácil de servir. “São objetos tão do nosso quotidiano que é impossível não os considerar – ou então devíamos considerá-los mais”, diz Luís Pinto Nunes, convencido da “organicidade muito própria dos japoneses” a desenhar produto. Aqui resume-se “quase a identidade de um país”.
por Joana Amaral Cardoso in Público | 15 de novembro de 2018
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público