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Coimbra prepara-se para uma sesta à sombra da eletrónica
Até domingo, sempre ao final da tarde, a cidade recebe o evento Les Siestes Électroniques. Música da russa Kate NV ou dos ingleses Giant Swan, com relva e entrada gratuita à mistura.
A cidade de Coimbra não quer adormecer à volta do imaginário que se lhe colou de ser uma das capitais do rock em Portugal. Até porque existe toda uma relação histórica com a música eletrónica mais hedonista que se perde no tempo. Na primeira metade dos anos 1990, foi mesmo dali que começaram a surgir alguns dos sinais que auspiciavam a afirmação da cultura de música de dança em Portugal.
Espaços como a discoteca States, onde António Cunha – que mais tarde formaria a editora e produtora Kaos – deu os primeiros passos como DJ, a actividade do bar A Noite Tem Mil Olhos, as inúmeras festas ao ar livre, o festival Citemor, a produtora Cosa Nostra, o bar Quebra Costas, o espaço Via Club ou a Rádio Universidade de Coimbra são alguns dos vértices que ajudam a perceber essa relação de muitos anos.
É uma relação que continua viva. Desta sexta-feira até domingo, no relvado dos jardins da Casa das Artes Bissaya Barreto, a cidade receberá o evento Les Siestes Eléctroniques; uma semana depois, de 30 de agosto a 2 de setembro, ali perto, no Castelo de Montemor-o-Velho, acontece a quinta edição do festival Forte, com nomes como Pantha Du Prince, Monolake, Alva Noto, Surgeon ou Helena Haulf no cartaz. No caso do Les Siestes, trata-se de um conceito francês que tem vindo a ser exportado um pouco para todo o mundo. A ideia é simples: desfrutar de música eletrónica, da mais exploratória e abstrata à mais lúdica, num lugar aprazível e ao ar livre, ao entardecer, entre as 17h e as 22h. A entrada é gratuita.
A abrir o evento, precisamente dois nomes que têm atravessado essa relação de Coimbra com as eletrónicas: The Lions, ou seja Afonso Macedo e David Rodrigues, que prometem uma digressão sem fronteiras rígidas pelo tecno. Por sua vez, o sueco Jonas Rönnberg, mais conhecido por Varg e por ser o cofundador da editora Northern Electronics, tratará de revelar ao vivo as sonoridades sombrias que povoam um universo que tanto abarca sons mais ambientais como o tecno menos formatado, abrindo o caminho para as fantasias de ritmos quebrados de James Whipple, conhecido por M.E.S.H, um produtor americano sediado em Berlim, que lançou no final do ano passado o alienígena mas cativante álbum Hesaitix.
No sábado, atenções direcionadas para a russa Kate Shilonosova, ou seja Kate NV, que lançou há cerca de dois meses um álbum fascinante (????? FOR), carta de amor à cidade onde cresceu, Moscovo, na forma de uma música ambiental, palpável, recheada de sons sintéticos sobrenaturais, num quadro que resulta tão estranho quanto caloroso. A acompanhar a música deverá estar um filme de Sasha Kulak, que capta de forma surreal situações solitárias e rotineiras na vida de um homem, e para o qual a produtora moscovita concebeu a banda sonora.
Da cidade são os Ghost Hunt, projeto desenvolvido por Pedro Chau e Pedro Oliveira a partir de sintetizadores e guitarras, o que tanto os projeta para uma espécie de rock eletrónico hipnótico como os conduz para outras paragens, numa sobreposição de camadas da qual resulta o som denso e encantatório audível no mini-álbum de estreia de 2016. De França virá Zaltan, nome da editora Antinote.
No domingo, haverá hipótese de tomar contacto com a surpreendente música do percussionista e baterista português João Pais Filipe que, quer em contextos colaborativos (como nos HHY & The Macumbas) quer sozinho, tem vindo a percorrer um caminho inconfundível que o tem levado para várias margens (entre o rock, as linguagens experimentais e a improvisação), numa combinação apaixonante de ritmos e timbres.
Algures entre estruturas reconhecíveis e o improviso situam-se também os ingleses Giant Swan, se bem que no seu caso sejam os sequenciadores e demais ferramentas eletrónicas a base das operações. As suas prestações são imprevisíveis, mas não se espera que ajudem à sesta de ninguém. Por norma, nas suas mãos a eletrónica ganha contornos de celebração incisiva e muito agitada. Afinal, a mesma prescrição do português DJ Nigga Fox, do contingente da editora Príncipe Discos, embora com um campo mais aberto para sonoridades fisicamente envolventes. Os dados estão lançados. A sesta é o pretexto. Mas Coimbra não quer ser apanhada a dormir, passando ao lado de alguns dos acontecimentos mais latejantes da música atual.
por Vítor Belanciano, in Público | 24 de agosto de 2018
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público