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Wim Wenders filma o Papa como "homem de palavra"

O realizador Wim Wenders e o papa Francisco | DR


Na zona extracompetição do festival de Cannes surgiu o filme que o cineasta Wim Wenders realizou com o Papa Francisco: uma obra sobre o poder da palavra no mundo contemporâneo.

Não é simples classificar Le Pape François - Un Homme de Parole (O Papa Francisco - Um Homem de Palavra), o filme com que Wim Wenders regressou a Cannes. Talvez por isso, a sua apresentação ocorreu numa "sessão especial" em que Thierry Frémaux, delegado-geral do festival, fez questão de recordar a longa ligação do cineasta alemão com o certame, incluindo, claro, Paris, Texas, que valeu a Wenders a Palma de Ouro de 1984.

De modo algo desconcertante, o "tema" parece bloquear a própria energia do filme. Porque não se trata exatamente de fazer um retrato de Jorge Mario Bergoglio, o bispo de Buenos Aires que, a partir de 13 de março de 2013, passou a ser conhecido em todos os recantos do planeta como Papa Francisco. Trata-se, sim, de aplicar os meios específicos do cinema para construir um documento (a palavra "documentário" será discutível) que funcione como uma visita guiada ao universo de ideias do próprio Papa. Como se escreve na sinopse oficial, "o filme organiza-se em torno das ideias e da mensagem do Sumo Pontífice, de modo a apresentar o seu trabalho, a par das reformas e respostas que ele propõe para problemas universais".

Compreende-se a ambivalência narrativa: Wenders está a elaborar uma visão pessoal ou limita-se a organizar um dispositivo descritivo para difusão do discurso oficial do Vaticano? O próprio realizador, em entrevista ao canal televisivo France 3, deu conta da gestação do projeto: primeiro, um convite do próprio Vaticano para abordar a figura do primeiro Papa jesuíta (e primeiro vindo das Américas); depois, um processo de trabalho que decorreu com inteira liberdade criativa.

Seja como for, o filme parece satisfazer-se com as convenções de um modelo rotineiro de televisão, combinando as declarações registadas pela câmara de Wenders com muito (por vezes, fascinante) material de reportagem das visitas papais.

Mas é também daí que resulta um pertinente paradoxo. Ao apresentar o Papa como "homem de palavra", o filme celebra a honestidade intelectual de Bergoglio, reconhecendo que o seu poder de intervenção, imenso e universal, se enraíza na fragilidade da própria palavra perante as convulsões do mundo contemporâneo. Por certo limitado pela sua estrutura (demasiado) académica, Le Pape Francois - Un Homme de Parole justifica, pelo menos, uma atitude básica, celebrada pelo seu protagonista. A saber: a disponibilidade para escutar.

Revisitando Bradbury

Na zona "fora de competição" têm surgido produções que, de uma maneira ou de outra, escapam aos parâmetros seletivos da Palma de Ouro. Fahrenheit 451, do americano Ramin Bahrani, terá sido, até agora, o exemplo mais estimulante.

Com chancela da HBO, Bahrani arrisca adaptar o romance clássico de Ray Bradbury (publicado em 1953) sobre um mundo distópico em que o triunfo de uma cultura apenas "visual" se traduz na interdição absoluta da palavra escrita, com os bombeiros encarregados de queimar todos os livros (à temperatura de 451 graus Fahrenheit) - tarefa tanto mais desafiante quanto existe uma notável versão cinematográfica de 1966, realizada por Francois Truffaut.

Com Michael B. Jordan no papel de Montag, o bombeiro seduzido pelos livros que deve reduzir a cinzas, o filme não terá os meios de produção adequados a sua ambição figurativa, mas introduz uma sugestiva variação: desta vez, a resistência dos leitores de livros (cada um memoriza uma determinada obra e passa a ser designado pelo respetivo título) integra também os arquivos digitais. Mais do que isso: tudo acontece num mundo em que as mensagens televisivas servem um sistema ditatorial, a ponto de estarem constantemente a surgir nas fachadas dos arranha-céus, concebidas como gigantescos ecrãs.

Num registo bem diferente, foi exibido aquele que poderá vir a ser um novo fenómeno da comédia francesa. Chama-se Le Grand Bain, foi realizado pelo ator Gilles Lellouche (que não integra o elenco) e narra a odisseia bizarra de uma equipa masculina de... natação sincronizada. Com algumas magníficas interpretações (Mathieu Amalric, Guillaume Canet, Benoit Poelvoorde, etc.), o filme, já adquirido para o mercado português, tem o mérito de explorar um humor sempre a beira do burlesco que não exclui uma tocante dimensão humana.


por João Lopes in Diário de Notícias | 15 de maio de 2018
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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