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Oliveira Martins "Já houve muito tempo de caricatura da identidade portuguesa"

Uma reflexão sobre o património e a sua importância na era do digital pelo coordenador nacional do Ano Europeu do Património Cultural.

Orlando Almeida/Global Imagens


Guilherme d"Oliveira Martins é o coordenador nacional do Ano Europeu do Património e lança hoje o livro Ao Encontro da História - O Culto do Património Cultural, preocupado com as grandes questões do património. Em 250 páginas refere os princípios da decisão da União Europeia ao designar 2018 como um ano voltado para o património e elenca vários momentos da história portuguesa no que respeita a este tema. Para Oliveira Martins, o património é um "conceito dinâmico e deve evitar-se a tentação de ser apenas uma questão do passado, antes um direito e um dever, porque recebemos a herança das gerações que nos precederam e temos de acrescentar e enriquecer esse legado". No caso português, alerta, "temos sido dos que mais têm avançado na preservação patrimonial, mas dos menos em atos concretos".

Inicia este livro afirmando que há a "tentação de pensar que falamos de coisas do passado". Neste mundo digital como é que se juntam as pedras mortas com as vivas?

O digital é o grande desafio perante o qual nos encontramos. A minha experiência na educação diz-me que uma sala de aula pode ter o melhor equipamento, mas sem a relação interpessoal não avança. As máquinas são instrumentos e o grande desafio é o triângulo ciência, educação e cultura. Esta última não deve ser o ponto final de um programa político ou a cereja sobre o bolo, mas transversal. Falar da criação cultural é juntar desde as raízes à modernidade e lançar as bases do futuro.

Refere que o nosso património no mundo foi construído devido à fé e ao comércio. Qual a razão para preservar esse património atualmente?

O grande problema da Humanidade é o medo do outro e a tensão que leva a uma incompreensão do cosmopolitismo. Salvaguardar o património nas três dimensões referidas é compreender melhor a capacidade de ir ao encontro dos outros e fazer da diversidade um fator de enriquecimento mútuo. A cultura portuguesa só avançou quando se abriu e não ao fechar-se. A nossa língua vai ser das cinco que mais crescerão neste século e, como o escritor cabo-verdiano Germano Almeida dizia, "ao falarmos da literatura em língua portuguesa falamos de várias literaturas e culturas que têm esta língua como elemento comum". Referir a proteção do património cultural é contribuir para uma maior compreensão pois, como está a acontecer em Goa, ao conservar-se um elemento do nosso património está a manter-se o diálogo de paz. Não foi por acaso que a Comissão Europeia decidiu que o único ano temático deste ciclo seria o do Património Cultural, é que deste modo reage-se contra o medo.

Essa mensagem irá chegar aos portugueses e europeus?

Tenho essa pretensão, tanto que nas reuniões com os outros coordenadores europeus refiro como a marca que Portugal tem procurado dar é a ligação entre a cultura e a educação, designadamente a presença da consciência do culto do património nas escolas - sem esquecer o mundo digital. Pretende-se ligar os alunos a um elemento do património próximo e a um outro distante e afirmar a perspetiva de que o património europeu começa à porta de casa - com as tradições e os monumentos -, mas também com a compreensão de que há um património complementar.

Então, o foco será o das escolas?

O interesse é que a programação do ano vá ao encontro desse triângulo de elementos, porque é necessário um maior envolvimento da sociedade civil. Um estudo do Eurobarómetro revela que os portugueses visitam pouco os museus e monumentos e participam em pequena escala nos atos concretos da preservação do património. O estudo conclui, aliás, que somos dos primeiros a respeitar o património mas dos últimos em atos concretos. Daí que exista a preocupação em deixar a semente nas escolas para que os jovens não esqueçam este ano 2018 e tornem-se protagonistas da salvaguarda do património pela vida fora.

Afirma que o culto do património tem servido para a manipulação política. É uma situação ultrapassada?

Existe sempre esse risco por causa da lógica fechada da identidade, e a cultura da língua portuguesa é um bom exemplo. Já houve muito tempo de caricatura da identidade portuguesa e não é disso que se trata agora, antes perceber a identidade nacional como fator de enriquecimento mútuo. O Estado-nação não desapareceu mas a globalização alterou a realidade e, sabe-se, um país fechado sobre si não resolve os problemas. É necessário criar condições para que a criatividade e inovação façam o país mudar como nos últimos 50 anos. O grande legado da democracia chama-se conhecimento, porque é a aprendizagem que define um país.


por João Céu e Silva in Diário de Notícias | 19 de abril de 2018
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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