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A cidade e o Fantasporto: um Porto a duas velocidades

Nos últimos anos o Fantasporto perdeu relevância, legítimo sendo perguntar pelo que nos traz a programação de 2018 que permita acreditar, a médio prazo, num Porto — cidade e festival — a uma só velocidade.

A caminho das 40 edições (que pede renovação) e com o orçamento mais reduzido de sempre... Fernando Veludo/NFactos


Há uma década atrás, quando o Porto estava longe das world tourist destinations, o Fantasporto afirmava-se como um dos acontecimentos cinematográficos do país – em 2011, a Variety elegia-o entre os 25 festivais de cinema mais importantes do mundo. Numa altura em que o atual frenesim da Baixa não existia, o Fantas elegia o Rivoli como o seu palco de operações, autêntico oásis quer na programação pela qual se notabilizou (fantástico, terror), quer pelas importantes retrospetivas de autores mais ou menos canónicos. Nos últimos anos, porém, o festival perdeu tração e relevância, legítimo sendo perguntar pelo que nos traz a programação de 2018 que permita – se permitir – acreditar, a médio prazo, num Porto – cidade e festival – a uma só velocidade.

A caminho das 40 edições (que pede renovação, o que a direção tem tentado empreender), e com o orçamento mais reduzido de sempre, a programação distribui-se pelas secções competitivas Cinema Fantástico, Semana dos Realizadores, Orient Express, Cinema Português, e uma não competitiva (Première e Panorama). Duas aberturas: a primeira com Marrowbone (estreado em Toronto), de Sérgio G. Sanchez (em 2002, arrecadou o Prémio de Curta Metragem CF no Fantas) sobre a frágil unidade de uma família recentemente marcada pela perda da mãe; e uma segunda, correspondente ao arranque das secções competitivas, com Anna Karenina: Vronsky’s Story, enésima (e pouco aplaudida) adaptação de Tolstói que integra a Semana dos Realizadores, marcada pela estreia de Uma Vida Sublime, que prossegue o interesse de Luís Diogo pelo sci-fi e o fantástico, e Aparição, de Fernando Vendrell (adaptação do romance de Virgílio Ferreira, na senda das numerosas adaptações de obras literárias no cinema português dos últimos anos – espera-se que com melhores resultados).

Numa secção dominada por produções europeias, destaque para Bikini Moon, de Milcho Manchevski – a quem o Fantas dedicou em 2016 uma valiosa retrospetiva –, sobre uma equipa a rodar um documentário de uma excêntrica ex-soldada no Iraque, simultaneamente levantando questões éticas implicadas na vontade de capturar o “real”. No Cinema Fantástico, o tradicional prato forte, assinale-se a antestreia mundial de Living Among Us, que apanha um documentarista a entrar num “ninho” de vampiros quando a sua existência já é do conhecimento público. É uma das duas longas americanas inscritas num quadro dominado pelo Canadá, e onde a presença asiática, como é hábito, marca forte presença com seis títulos. Le Fidèle (passou por Veneza), de Michaël R. Roskam, é um dos destaques da Première e Panorama, encerrando o festival com Adèle Exarchopoulos no papel de uma corredora de alta velocidade burguesa que entra no submundo criminoso. A Orient Express prolonga a atenção que o Fantas sempre dedicou ao cinema asiático, e, com exceção de Ajin: Demi-Human, todos os filmes passam em antestreia mundial ou internacional. Mantendo-nos a Oriente, destaque, além da retrospetiva de Chang Tso-chi, para a mostra Taiwan B-Movies, conjunto de seis filmes (pediam-se mais) dos anos 70-80 que entroncam num cinema de matriz underground e distante da propaganda e dos melodramas convencionais até então prevalecentes na produção taiwanesa. De Never Too Late To Repent, ambientado nas degradadas ruas e prisões taiwanesas, aos filmes de “vingança de mulheres” (género então popularizado) como On the Society File of Shanghai e Woman Revenger, aqui reside outro dos maiores pontos de interesse – complementado pelo documentário Taiwan Black Movies, que enquadra todo um movimento que, no seu excesso provocador (et pour cause censurado), abriu caminho para o Novo Cinema de Taiwan. Como rebuçado para os fãs de horror, é exibido o filme de culto Dream Demon (1988, a concurso no Fantas em 89), com a presença de Harley Cokeliss.

De lamentar que Manhã Submersa seja o único filme projetado na homenagem a Lauro António, de quem se pedia o visionamento das curtas dos anos 70 ou da última longa O Vestido Cor de Fogo (1985). Num tempo em que os festivais de cinema, sob pena da irrelevância, se converteram em “eventos” onde o cinema é apenas um dos motivos de atração, o Fantas, por obstinação ou simplesmente por constrangimentos financeiros, mantém os filmes no centro e na periferia, ou seja, faz deles aquilo que realmente interessa (conta-se apenas uma conferência em torno da Ética contemporânea, do jornalismo à investigação científica). Resta saber – e esse é o desafio pelo qual passa a resposta à questão que lançámos acerca das “velocidades” da cidade e do festival – se eles, os filmes, estão à altura.


por Francisco Noronha in Público | 19 de fevereiro de 2018
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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