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Palácio reabre com exposição sobre ciência e expansão
O Palácio dos Condes da Calheta, no topo do Jardim Botânico Tropical, vai entrar em obras depois da próxima exposição do MUDE.
Vedado ao olhar público habitualmente, o Palácio dos Condes da Calheta, no topo do Jardim Botânico Tropical, será convertido numa "exposição permanente ligada à ciência e técnica nos descobrimentos e expansão portuguesa", avança José Sousa Dias, diretor dos Museus da Universidade de Lisboa, que tutela o espaço que anteriormente pertencia ao Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT).
É no piso nobre, revestido a azulejos do século XVII, usado ao longo do último ano para as exposições do MUDE - Museu de Design e da Moda fora do seu edifício que a futura exposição dedicada à Ciência e Técnica se fixará.
"A ideia é criar um espaço onde se trate questões tecnocientíficas da navegação atlântica, cartografia, com a artilharia e a guerra no mar, a história natural desde o século XVI ao século XX, a flora, a fauna." O outro plano é "principalmente onde os azulejos sejam mais figurativos, eles possam ser integrados na exposição".
Um exemplo, segundo José Sousa Dias, seria remeter os itens relacionados com o conhecimento da fauna para a Sala dos Azulejos relativos à caça, enquanto a Sala das Batalhas seria dedicada à guerra no mar e à navegação", resume.
"Estamos a falar de uma abordagem sobre a intervenção colonial do país e, mais do que isso, qual foi o contributo da ciência e da técnica para a globalização no século XVI, nomeadamente ao nível da navegação, e, por outro lado, tudo o que tem que ver com o conhecimento dos trópicos, fauna e antropologia. A visão científica que dá origem à expansão e colonização, mas também a que resulta da expansão e colonização", precisa o diretor dos Museus da Universidade de Lisboa, uma designação que serve para falar do Jardim Botânico, Jardim Botânico Tropical e Observatório Astronómico da Ajuda e, claro, do Museu de História Natural, na Rua da Escola Politécnica, destino de algumas peças que agora se encontram nas quatro salas das reservas do Palácio dos Condes da Calheta.
De tudo o que se encontra atualmente neste edifício, a única coisa que ficará igual é a xiloteca, a biblioteca de madeiras. "Os móveis usados para mostrar as madeiras foram construídos com madeiras exóticas", conta Ana Godinho, historiadora, que aqui trabalha, nestas reservas. Várias salas estão ocupadas com coleções de Angola, Moçambique, Guiné e Timor, e espécimes naturais, entre eles a cria do rinoceronte do Museu de História Natural, serão mostradas de outra maneira, assegura José Sousa Dias.
"Vai haver um núcleo dedicado à antropologia e estudo do homem e muitos desses objetos podem lá ficar", adianta, ao mesmo tempo que avisa que nada está decidido a esse respeito. "Uma das coisas muito interessantes que o IICT tinha era que, como parte das investigações eram do século XX, ainda tinham os objetos usados. É possível que se usem porque são um bom exemplo de como era feita."
Balanças, réguas, câmara fotográfica e outros instrumentos usados por estas equipas, como catálogos de cores de olhos, de cores de pele, de cabelos, um inventário hoje politicamente incorreto. "É histórico. Representa a mentalidade e a perspetiva de um determinado período. Tem de ser encarado como o que é, porque se não não se fazia o museu da escravatura", defende Sousa Dias, ao DN.
Das missões científicas a África, em 1946 e 1947, nomeadamente à Guiné, o investigador Amílcar Mateus, que liderava a operação no terreno, trouxe vários objetos de uso quotidiano. A missão era coordenada cientificamente pelo antropólogo António Mendes Correia, fundador do Instituto de Antropologia da Universidade do Porto. Estes objetos foram incorporados no Instituto de Investigação Científica Tropical (IICT) já no século XXI, conta Ana Godinho.
A origem das coleções é variada, conta Ana Godinho, que tem feito a inventariação desses objetos. Uma, das quatro existentes, veio de Angola, mas sobre ela nada se sabe. "Temos a listagem e mais nada, foi adquirida a colecionadores particulares, alguns objetos têm marcas de uso", refere. Outro conjunto concentra artefactos de Moçambique - mezinhas, cabacinhas, pós que se dizia que curavam. Outra contém os objetos que um dia fizeram parte do Museu Agrícola das Colónias. Reúne cestaria, instrumentos de pesca e do trabalho da terra, alguns brinquedos... A quarta, e última, sala de reservas está guardada para os espécimes naturais. Aves, um crocodilo e a cria da rinoceronte que pertence ao Museu de História Natural.
A partir de 10 de março, o palácio construído no século XVII pelo 4.º conde da Calheta, João Gonçalves da Câmara, acolhe a terceira e última exposição do MUDE, Tanto Mar - Fluxos Transatlânticos do Design. Quando terminar, a 15 de julho, o edifício, antigo Museu Agrícola do Ultramar, entre outros usos, entrará em obras. "O que neste momento está previsto para o espaço é uma utilização variada, que separa o rés-do-chão do primeiro piso, o piso nobre", afirma o diretor. "No rés-do-chão, uma das alas vai ficar para formação avançada da universidade e na outra metade haverá uma cafetaria."
Fazer obras é uma decisão recente, confirma José Sousa Dias ao DN. "Só começou a ser desenvolvida em novembro. Foi a universidade que mostrou disponibilidade em fazer uma intervenção mais volumosa", afirma, sem conseguir prever por quanto tempo se vão prolongar os trabalhos neste edifício que foi adquirido por D. João V em 1726.
No final do século XVIII está praticamente ao abandono, conta Ana Godinho. É recuperado para receber visitas de famílias reais (o pai de D. Fernando II, por exemplo) e vem a converter-se na casa dos funcionários reais aposentados, caso do precetor dos príncipes.
O jardim tropical instala-se aqui em 1916, deixando a quinta onde se encontra atualmente o Jardim Zoológico. Em 1929, é oficialmente inaugurado o Museu Agrícola Colonial (MAC). Aqui se reuniam as coleções de produtos agrícolas e florestais ultramarinos, que se davam no microclima desta zona de Belém, e que serviam para fazer testes e ensinar. "Formava engenheiros que depois iam trabalhar para as colónias", conta a historiadora Ana Godinho.
Em 1940 conhece outro uso: é o pavilhão da Caça e do Turismo na Exposição do Mundo Português. O palácio é ocupado, os seus tanques são usados para expor crocodilos, no jardim aludem-se às várias geografias coloniais portuguesas. Uma aldeia guineense vive em permanência no Jardim Botânico Tropical simulando a vida na terra natal; um elefante circulava por uma das zonas do jardim, explica, enquanto se atravessa o local. Há uma estufa, onde se cultivavam espécies tropicais, chá e café. E, junto ao que se chama hoje casa da direção, havia jaulas com leões. Dentro da casa, há azulejos Sant"Ana com cenas do quotidiano em África. Esse é o tema de dois painéis esculpidos em madeira de Alípio Brandão que aí serão mostrados.
Investimento de quatro milhões