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A música portuguesa a celebrar-se a ela própria

A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria, o projeto com direção artística de Tiago Pereira que regista a tradição e a música que é feita por todos os recantos do nosso país, faz sete anos esta terça-feira.


A festa é no fim-de-semana. Sexta em Beja, sábado em Lisboa e, por fim, um piquenique em Monforte da Beira, Castelo Branco.

Em 2011, o primeiro vídeo d’A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria (MPAGDP) tinha Jorge Cruz, dos Diabo na Cruz, o próprio Tiago Pereira, realizador e criador do canal, e Márcia. Tiago Pereira explicava logo ao que o canal ia: servia para mostrar todo o tipo de música portuguesa na plataforma de streaming Vimeo, que pretendia “trazer a música para a rua”. É esse vídeo que faz sete anos esta terça-feira.

Passados sete anos, o canal, com uma equipa da qual fazem parte 12 pessoas, publicou 3046 vídeos de mais de 1800 projetos musicais diferentes, gravados em todos os distritos do país, deu origem a programas de rádio e de televisão, a um site, um livro, um palco no festival Bons Sons, em Cem Soldos, palestras e documentários. 
Essa obra feita é comemorada neste fim-de-semana em três celebrações, todas mais ou menos com o mesmo espírito, sem ligar muito a formalidades de palcos. Tudo começa na sexta-feira, em Beja, no Centro UNESCO para a Salvaguarda do Património Imaterial. É lá que será inaugurado o Centro Interpretativo d’A Música Portuguesa a Gostar Dela Própria, que permitirá consultar todo o material, entre vídeos e outros registos, que o projeto gerou até hoje. Essa celebração terá as atuações de Paulo Colaço, tocador de viola campaniça que explora a música do Alentejo no projeto Por Um Par de Meias Solas, e do As Douradas Espigas, um grupo coral de Albernoa.

Depois, no sábado, a festa ruma a Lisboa. Sábado à tarde, no Teatro Nacional D. Maria II, Ainda Agora Aqui Cheguei marca a primeira de três datas com curadoria de Tiago Pereira nesse espaço e contará com um concerto do Grupo de Cantares de Carvalhal de Vermilhas, de Vouzela, em Viseu. Até março, esta programação faz parte de um ciclo chamado Portugal em Vias de Extinção. “As mulheres estão vestidas normalmente, as pessoas chegam, elas começam a cantar uma música de romaria, sobem as escadas, as pessoas seguem, elas chegam ao Salão Nobre e continuam a cantar, como se as pessoas fossem à terra delas ouvi-las”, explica Tiago Pereira ao PÚBLICO. “Cantam de forma acústica, sem microfones, as pessoas têm de estar atentas”.

Por fim, no domingo à tarde, a festa propriamente dita: um piquenique musical em Monforte da Beira, Castelo Branco, com direito a um bolo em forma de adufe e tudo. “De certa forma, é um bocado um acidente [ter três eventos]”, adianta o diretor artístico. “[Calhou os espetáculos de Lisboa e Beja] acontecerem no mesmo fim-de-semana em que íamos fazer a festa.”

Esse é um piquenique no qual cada um leva o que quiser comer ­– e, se se enviar um email para a organização, há 40% de desconto em bilhetes da CP para os comboios que saem de manhã cedo da Estação de Santa Apolónia, em Lisboa, com autocarros a fazerem o trajeto de Castelo Branco até a Monforte da Beira, e que regressam a Lisboa ao final da tarde.

“Achei que não valia a pena fazer uma festa de uma forma clássica, como já tinha acontecido noutras alturas, com palco, num espaço em Lisboa. Já não fazia sentido naquilo que a MPAGDP era. Mais valia abortar os palcos e levar as pessoas para fora da cidade”, conta o diretor artístico, que observa que não há programação, nem palco. “Toca quem quer, vai quem quer, leva merenda quem quer, partilha com quem quer”, prossegue.

Não há um cartaz propriamente dito, mas Tiago Pereira revela: “Só em músicos, vamos ter para aí 300 pessoas.” Cem delas serão “tocadores de bombo de várias idades, dos 6 aos 60 ou 70”. Vêm de todo o lado, de Serpa à Marinha Grande, passando por Vale do Neiva, Penha Garcia ou Lisboa.

A escolha do sítio, uma aldeia com pouco mais de 300 habitantes – Tiago Pereira espera que “vão todos lá parar” –, prende-se com uma simples razão. “Fui a Monforte da Beira, fui bem tratado. Vi umas senhoras incríveis que tocavam adufe e uns rapazes muito novos que aprenderam com essas senhoras. Achei que Monforte da Beira tinha as condições especiais para poder fazer um piquenique lá exatamente, porque era uma terra pequena, que tinha 300 habitantes e que tinha uma arte que estava a morrer. Eu próprio já tinha feito um filme sobre adufes e não fazia a mínima ideia de que havia aqueles adufes ali, que se tocavam daquela maneira”, conta.

“Nem lhes chamam adufes, chamam-lhes ‘pindeiros’. Era toda uma riqueza musical que eu não fazia ideia que existia e achei que era importante realçar, trazer pessoas para conhecer e ao mesmo tempo juntar todas as outras pessoas que às vezes nem se encontram e fazer uma festa musical”, continua.

Monforte da Beira tem uma festa de S. João Baptista, com burros, cavalos e música, que foi retratada no início dos anos 1970 num episódio de Ensaio, um programa da RTP da autoria do radialista João Martins. Nesse programa aparece uma Maria Regina, uma filha da terra, a cantar e a tocar. No mesmo vídeo de apresentação do piquenique, saído em dezembro, surge uma senhora chamada Maria Regina, que Tiago Pereira diz hoje ter mais de 90 anos, a interpretar Ó Meu Menino Jesus, uma canção tradicional de Natal, e a convidar toda a gente a ir à sua terra. É uma tradição que se mantém, e a MPAGDP quer que assim continue.




por Rodrigo Mogueira, in Público | 16 de janeiro de 2018
Fotografias de Nicole Sánchez
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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