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Na chapa de Vasco Mourão cabe a paisagem urbana de Portugal

Artista está em residência no Portugal dos Pequenitos, em Coimbra, a trabalhar numa peça que vai servir de pórtico à nova entrada do parque temático que foi inaugurado a 8 de junho de 1940.


Vasco Mourão vai preenchendo a folha de metal dobrada e angulosa afixada no interior de um pavilhão do Portugal dos Pequenitos, em Coimbra. A primeira parte do desenho, composto por um emaranhado de edifícios, é feita essencialmente de referências do Porto e de Lisboa, desde as fachadas da Ribeira às da Baixa Pombalina.

No total, são oito metros de metal que estão a ser ilustrados por Vasco Mourão, num trabalho que vai servir de pórtico à nova entrada do parque temático, que ainda está por construir. O ilustrador junta assim a Fundação Bissaya Barreto (dona do Portugal dos Pequenitos) a uma lista de clientes onde já estão a New Yorker, a Apple e o Washington Post.

Vasco Mourão vive em Barcelona, mas vai estar até dia 20 em residência artística em Coimbra, onde os visitantes do complexo poderão assistir ao seu processo de criação. O ilustrador explica ao PÚBLICO que iniciou a investigação para esta obra com um mergulho nos arquivos da Fundação e nos documentos deixados por Cassiano Branco, o arquiteto que desenhou o parque, cuja construção começou em 1938, ainda numa fase inicial do Estado Novo.

Começa por confessar que conhecia mal o Portugal dos Pequenitos, que não ia além de “uma vaga recordação que toda a gente tem de criança”. Sobre o que está a gravar na peça, Vasco Mourão diz que não lhe interessava representar apenas o parque, mas ir ao inventário e às referências de Cassiano Branco. Logo, aos edifícios originais a partir do qual o arquiteto desenhou as réplicas. Há também uma seleção pessoal, explica. “Por exemplo, o Porto está muito mal representado — só tens a Torre dos Clérigos. Interessa-me mais este trabalho paralelo com o Cassiano Branco: às vezes cruzamo-nos, outras vezes estamos um pouco mais distantes”. A peça segue um processo semelhante à origem do Portugal dos Pequenitos, que foi “de desconstrução de cidades”, refere.

O ilustrador começou precisamente pela arquitetura, uma profissão que desempenhou durante oito anos, mas que abandonou gradualmente para se dedicar em exclusividade ao desenho. Um exercício que naturalmente já praticava enquanto arquiteto, mas que assumiu o plano principal, conta. Já este ano, teve trabalho exposto na galeria lisboeta Underdogs, que já acolheu obras de artistas portugueses como Vhils e Add Fuel.

O trabalho de Vasco Mourão vai flutuar acima dos torniquetes do novo edifício de entrada, sendo que a sua tridimensionalidade produz um efeito de perspetiva, dependendo do ponto de observação. A própria forma da peça conversa com o desenho do novo espaço, cujo traço faz lembrar as velas das naus portuguesas.

Voltar ao projeto original

A obra em que está a trabalhar vai refletir as várias fases do Portugal dos Pequenitos, que começou pelo país metropolitano, com as casas das várias regiões. Nesse capítulo, “o mais difícil foi perceber” onde Cassiano Branco tinha ido buscar as referências. Foi depois construída a parte monumental, estendendo-se mais tarde às ilhas e ex-colónias. A chapa de latão de oito metros vai ecoar essa progressão, embora esta não seja seguida à risca, uma vez que a própria natureza dos desenhos de Vasco Mourão implica um cruzamento entre temas.

O programador cultural da Fundação Bissaya Barreto, Alexandre Lemos, explica ao PÚBLICO que a peça não vai ficar escondida enquanto não arrancarem as obras para erigir a nova entrada. Na primeira metade do ano, o trabalho de Vasco Mourão vai estar exposto em local ainda a definir pela instituição.

Mas o parque de Coimbra é mais do que uma mostra de arquitetura. É também resultado de uma visão de Portugal e das ex-colónias difundida pelo Estado Novo. Há aspetos que não vão ser representados na peça de Vasco Mourão. O ilustrador sublinha que a sua base é o trabalho de Cassiano Branco e os seus detalhes, como o processo de escolha dos edifícios a representar ou as escalas. “As esculturas que estão ali à entrada nem sequer faziam parte do projeto de Cassiano Branco. Então isso já não me interessa”, diz. Isto numa alusão às estátuas de africanos colocadas logo após a entrada no parque. Para Mourão, “esta parte mais colonialista entende-se como uma coisa de época”.

Essas mesmas estátuas estiveram no centro de uma polémica que envolveu outro artista português, proibido de captar imagens no parque. Vasco Araújo, que explora na sua obra questões relacionadas com o colonialismo, viu recusado o pedido para filmar as estátuas que representam homens e mulheres “negros com beiças pintadas de vermelho que lembram o Tintin no Congo”, dizia em 2016 o artista.

As imagens integrariam a peça Parque Temático, que acabou por ser preenchida com um fundo preto e a resposta da FBB a negar a autorização. A obra procurava criar um diálogo entre as esculturas que se encontram à entrada dos pavilhões das antigas colónias portuguesas. A FBB acabou por autorizar as filmagens já em 2017, quase um ano depois de o assunto ter sido noticiado.


por Camilo Soldado in Público | 21 de dezembro de 2017
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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