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Um livro para espiar estações da grande aventura de Jorge Molder

É o número inaugural da Série Ph., coleção de fotografia contemporânea portuguesa que a Imprensa Nacional acaba de lançar. São edições bilingues a preços mais acessíveis do que é costume neste género de monografias.

Jorge Molder


"Não vejo as coisas como um aperfeiçoamento. O [Claude] Lévi-Strauss fala disso a propósito das Variações Goldberg. Às vezes é precipitado dizer que há um desenvolvimento. Há um desenvolvimento no sentido de alcançar plenitudes diferentes, mas é uma coisa que se vai sucedendo." Jorge Molder diz que, quando olha para a sua obra, aquilo que vê "é uma acumulação com outras acumulações". E como Lévi-Strauss a propósito daquelas variações de Bach, não estabelece uma hierarquia, um crescendo.

Há uma série sua intitulada Não Tem que Me Contar Seja o Que For (2006-11). Quase apetece devolver-lhe a frase à medida que se avança no livro que inaugura a Série Ph., uma coleção de fotografia portuguesa da Imprensa Nacional, coordenada e sugerida por Cláudio Garrudo, com design de Paulo Condez/Ateliê NADA. É uma caminhada pelos 40 anos da obra de Molder, a que somos introduzidos por um texto de José Bragança de Miranda. Será sempre assim nesta série: a obra de um fotógrafo contemporâneo, e um texto para a acompanhar. Bilingue, para chegar a mais gente, e com igual propósito expresso no preço, mais baixo do que é costume nestas monografias, a capa tem recortado um pequeno círculo, como se nos convidasse a espreitar.

"Depois de 40 anos de fotografias, o trabalho continua, fragmentos de uma obra em progresso que sabe que a última fotografia virá. Mas não anulará o puro ato de soberania", escreve Bragança de Miranda sobre o "combate de Molder" que, afirma, começou muito antes da série Anatomia e Boxe (1977). Todavia, em Molder o boxe, desporto a que Joyce Carol Oates chamou uma "imitação estilizada de um combate até à morte", pratica-se com o corpo que fotografa ou com o corpo fotografado.

"Não há como um caminho de alfa para ómega no sentido da procura. É, digamos, mais uma espécie de estações até se chegar a um sítio que não se sabe bem qual é. E é sempre também a questão genérica de todas as histórias de aventuras: uma pessoa não sabe muito bem do que anda à procura, mas tem a certeza de que anda à procura", afirma Jorge Molder ao telefone. Falávamos da sua obra, que o livro atravessa numa seleção feita "em colaboração, em cumplicidade" com Cláudio Garrudo.

"Houve um trabalho entre os dois que eu achei extremamente curioso. E, em alguns casos, achei que fazia sentido a escolha de fotografias de que eu não gostava muito. É óbvio que a relação de uma pessoa com os trabalhos que faz é uma relação estável e instável. Há coisas que eu achei graça estar a ver com os olhos dele, que eu não vejo da mesma maneira, vejo como coisas que agora até tenderia a pôr de lado, ou assim um bocadinho mais escondidas, e achei que devia dar atenção a essa atenção de outro."

Cláudio, também ele fotógrafo, começou por ir ao ateliê de Jorge Molder uma vez por semana para "recolher imagens". Entre elas, algumas inéditas: as polaroids sem data que aparecem no livro. "Ele foi incansável, teve uma total abertura para me deixar ver coisas que nunca publicou. Depois, já com Paulo Condez, montámos o livro, pusemos em confronto e em diálogo nas páginas imagens que pertencem a séries diferentes, a anos diferentes. Obviamente que não conseguíamos pôr todas as séries, mas tentámos que abarcasse todo este percurso, de certa forma. Nessa lógica da narrativa do livro fomos criando quase pequenas histórias, depois pontuadas com páginas em branco, como se fossem o parágrafo para a história seguinte."

Jorge Molder avisa, porém, que deixaram "por desbravar" a parte mais "obscura" do seu arquivo, e chama "selva impenetrável" ao período que vai de 1980 a 1986. É a altura dos primeiros autorretratos. "E esses sim são autorretratos, outra coisa são as chamadas autorrepresentações, em que eu sou o personagem. Como é que os podemos distinguir? Eu acho que numa autor- representação o artista, ou fotógrafo, ou lá como lhe queira chamar, faz um papel, e surpreende-se no papel que está a fazer; o autorretrato tem o sentido de alguma exegese afetiva, psicológica, emocional, não sei muito bem caracterizar, mas tem que ver com isso. Achei que se entrássemos por essa zona, que é uma zona curiosa, que poucas vezes mostrei, nunca mais dali saíamos. E um livro é uma coisa prática, não é? Tem um tempo de feitura, de elaboração, não pode ser assim uma coisa deixada aos caprichos de tentar incluir tudo. As coisas fazem falta até certo ponto, o que interessa também é acabar, arrumar, fechar."

Voltamos a falar de acumulação, no que à espécie de paisagem feita pela obra de Molder diz respeito. "Eu falaria em acumulação. Felizmente, não há leituras definitivas do que quer que seja, porque quando há é muito mau sinal. Acho que foi um acrescento para mim mesmo, porque também é bom olhar para as coisas e dizer: pronto, isto vai ajudar-me a pensar o que é que eu fiz, a pensar o que é que eu estou a fazer, e o que projeto que vier a fazer. Este trabalho deu-me imenso prazer, mas acho que também me foi bastante útil." Perguntamos-lhe se se refere a uma vontade de trabalhar que daqui surge. "Em princípio estou sempre a trabalhar. Há coisas que uma pessoa interrompe, ou porque não encontrou maneiras de continuar, ou porque se esqueceu. Acho que aqui houve também um exercício de recapitulação importante."

O segundo volume deverá sair em junho, mas Cláudio ainda não diz de quem se trata. O plano para a Série Ph. é de publicar dois números por ano.


por Mariana Pereira in Diário de Notícias | 11 de dezembro de 2017
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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