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Quando os franceses ficaram dois dias a ver navios

Museu dos Coches recria partida da Família Real para o Brasil, o impacto da sua estada no Rio de Janeiro e o regresso a Portugal.

Reinaldo Rodrigues/ Global Imagens


Entre as duas galerias principais do Museu dos Coches, três fotografias do artista brasileiro Rafael D’Aló reunidas sob o título Arranjos Tropicais para Um Rei Morto dão o mote para a exposição Partida da Família Real para o Brasil - 1807, inaugurada a 29 de novembro, precisamente no dia em que se completavam 210 anos sobre esse acontecimento histórico.

Organizada em cinco momentos, a exposição lembra a transferência da corte para o outro lado do Atlântico entre 1808 e 1821, os preparativos, a viagem, a chegada ao Brasil e o impacto cultural que essa mudança provocou, bem como o desenvolvimento económico e político que o Rio de Janeiro vivenciou à boleia dessa presença. Sem esquecer o regresso, em 1821.

Um retrato de D. Maria I e uma gravura de D. João, ainda príncipe regente, recebem os visitantes sob uma tela em que é reproduzida uma imagem do início do século XIX representando a serra da Estrela, numa alusão à zona por onde entraram em Portugal as tropas de Napoleão em 1807. Em frente, numa vitrina, um mapa da Península Ibérica quase a ser tomado por três miniaturas de soldadinhos franceses e “um Napoleão zangado”, refere Silvana Bessone, diretora do Museu Nacional dos Coches. E com a marcha das tropas francesas em curso, “retomam-se velhos planos de saída do reino da família real em caso de ameaça externa”, contextualiza, para logo de seguida apresentar o último item da vitrina: um decreto de 26 de novembro de 1807 a comunicar a transferência da corte e da família real para o Rio de Janeiro, um documento cedido para esta mostra pelo Arquivo Histórico Ultramarino.

Uma partida que foi, pode dizer-se, a dois tempos, como se explica no núcleo seguinte “com uma sugestão do que foi a confusão de armas e bagagens levadas para o Brasil”, refere Silvana Bessone. Caixas de chapéus, de armas, de dragonas, mobiliário - “até o trono foi para o Brasil”, sublinha. E coches? Coches também seguiram viagem para o outro lado do Atlântico - “vi alguns quando visitei o Museu Histórico do Rio de Janeiro” -, mas não há certeza sobre se algum terá regressado à Europa. A exposição permanente conta com uma berlinda sobre a qual não há a certeza se terá atravessado o Atlântico duas vezes. Uma coisa é certa, explica Silvana Bessone: “Pertenceu a D. João VI, como se pode ver pelas armas na porta”, indicaria depois a responsável, junto da berlinda.

Regressando à confusão que foi a partida da família real e das cerca de quinze mil pessoas que a acompanharam na viagem para o Brasil, representada na pintura de Nicolau Delerive na qual se vê o embarque em Belém a 27 de novembro, Silvana Bessone descodifica a frase que antecede o texto informativo, “e ficaram a ver navios”. “A partida foi a 29 de novembro, mas o embarque aconteceu dois dias antes. Só que não havia vento e durante dois dias os franceses ficaram a ver navios no rio Tejo.”

Uma maqueta da nau Príncipe Real, que transportou a família real, destaca-se no próximo capítulo desta história. Emprestada pelo Museu de Marinha, tem como cenário uma imagem do porto da Praia, em Cabo Verde, “uma das paragens durante a viagem e uma das poucas vezes em que os cabo-verdianos estiveram perto da família real”, refere a diretora do museu.

“Aqui, chegamos ao Brasil”, conduz Silvana Bessone, indicando o núcleo seguinte onde se destaca um quadro de D. João pertencente ao Museu dos Coches, ao qual se juntam alguns documentos que contextualizam a chegada ao Brasil. Segue-se um núcleo que evidencia o choque de culturas que resultou da chegada desta grande comitiva europeia ao Rio de Janeiro. Através de objetos do quotidiano (como loiça, instrumentos musicais) e de peças decorativas (como brincos ou castiçais) é demonstrada essa troca de influências entre as duas culturas.

“Onde eu vivo e resido é que necessariamente se deve considerar a sede e o ponto central do Império.” Palavras já de D. João VI, estamos em 1816, quando assume o trono após a morte de D. Maria I, e que neste novo conjunto mostra o quanto a permanência da corte no Brasil gerou uma onda de desenvolvimento no Rio de Janeiro. “Foi cunhada moeda, foi fundada a Gazeta do Rio de Janeiro, foi criado o Banco do Brasil”, enumera Silvana Bessone ao mesmo tempo que vai apontando para moedas e para o n.º 1 da Gazeta do Rio de Janeiro exibidas numa vitrina.

Mas não só. Atraídos pela presença da corte, o Rio de Janeiro torna-se destino de chapeleiros, modistas e outros artesãos ligados a todo um consumo de moda. “Era Paris no trópicos”, resume Silvana Bessone.

Mas uma Paris para onde Carlota Joaquina, a mulher de D. João, foi contrariada e que, apesar dos encantos que reconhece ao país - “é encantador, cheio de lugares deliciosos” -, só ficaria satisfeita com o regresso à Europa - “é preciso dizer que a América portuguesa seria um paraíso terrestre se não houvesse um calor insuportável de 88 graus e muitos mosquitos”.

Por fim, o regresso a Portugal, em 1821, onde se destaca uma reprodução que mostra o adeus do povo brasileiro à família real.


por Marina Marques in Diário de Notícias | 30 de novembro de 2017
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Diário de Notícias

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