"É de Cultura como instrumento para a felicidade, como arma para o civismo, como via para o entendimento dos povos que vos quero falar"

Notícias

As histórias do real do Porto/Post/Doc vão da China à Síria

Grandes filmes que olham de outra maneira para o mundo em que vivemos.

The Beguiled, de Sofia Coppola, é o filme de abertura do festival DR


É com Sofia Coppola e The Beguiled, a sua remake vista do lado feminino de Ritual de Guerra de Don Siegel, que o Porto/Post/Doc deu esta segunda-feira (Rivoli, 21h30) o “pontapé de saída” oficial da sua quarta edição, a decorrer até ao próximo domingo, 3 de dezembro, entre o Rivoli e o Passos Manuel. Mas The Beguiled (que inexplicavelmente não vai chegar à estreia comercial entre nós) é apenas o primeiro de uma série de “bombons” inéditos em sala: juntam-se-lhe o documentário de Terrence Malick Voyage of Time – Life’s Journey (Rivoli, terça 28 às 21h30), Inconvenient Sequel onde Al Gore revisita Uma Verdade Inconveniente (Rivoli, quinta 30 às 21h30), ou o documentário de Sophie Fiennes sobre Grace Jones, Bloodlight and Bami (Rivoli, sábado 2 às 21h30).

Mas antes ainda da abertura oficial, o Porto/Post/Doc dá início às sessões dos 12 filmes da competição oficial (com direito a repetição ao longo da semana, e sempre no Rivoli). É uma seleção atenta que confirma a aposta do jovem festival portuense em filmes que exploram outros modos de filmar o documentário, onde “formalismo” não é uma palavra ofensiva mas uma outra maneira de olhar para o mundo.

Não vamos perder muito tempo a repetir todo o bem que achamos de Era uma Vez Brasília do brasileiro Adirley Queirós, que saiu de Locarno com uma menção especial, encerrou o Doclisboa há poucas semanas, e é o primeiro filme projetado na competição (segunda 27 às 15h e quarta 29 às 18h30). É um filme “programático” daquilo que o festival portuense procura, ao investigar as fronteiras onde o documentário se esbate: trata-se de transfigurar a realidade presente de Brasília, e do Brasil, sem ficar preso às regras, partindo de cenários e imagens da realidade para construir uma ficção especulativa, distópica.

É também isso que encontramos no tour de force do artista multimédia chinês Xu Bing, Dragonfly Eyes (terça 28 às 16h30 e sexta 1 às 15h), uma das mais arrojadas experiências narrativas tentadas no cinema moderno. Xu leva o conceito do cinema de apropriação construído a partir de imagens pré-existente ao seu limite: organiza milhares de imagens de câmaras de vigilância e vídeos amadores encontradas online numa narrativa ficcional que evoca os retratos da China moderna de Jia Zhang-ke.

A presença tutelar do cineasta de Um Toque de Pecado faz a ponte com o filme da dupla sino-italiana formada por Yan Cheng e Federico Francioni, The First Shot (segunda 27 às 21h e quinta 30 às 15h). Cheng e Francioni olham para a China moderna através da vivência quotidiana de três jovens da geração nascida já depois dos eventos de Tiananmen, todos eles envolvidos de algum modo na exploração e transformação das imagens, para meditar sobre a destruição de um passado em nome de uma modernidade globalizada. Xu transfigura esse quotidiano para questionar o próprio significado do que é uma imagem de maneira extremamente acessível e profundamente perturbadora.

A imagem é claramente o “elemento irredutível” destas “histórias do real”, como o provam dois filmes que olham para a situação na Síria. Curiosamente, o mais “ativista” foi feito por um americano: City of Ghosts (segunda 27 às 18h e quarta 29 às 21h00), com o qual Matthew Heineman dá sequência ao poderoso Cartel Land (2015). Filmando com a urgência visceral e veloz que esperaríamos de um thriller, Heineman resume em hora e meia o percurso do grupo de cidadãos-jornalistas da martirizada cidade de Raqqa, que lançou o site Raqqa Is Being Slaughtered Silently para combater o totalitarismo mediático do Estado Islâmico. Pouco disposto a perder tempo em nuances, é um filme apostado em fazer passar a sua mensagem sobre a importância vital do trabalho de reportagem em tempo real desta gente que, deixada à mercê do destino, decidiu tomar nas suas mãos a resistência.

O sírio Ziad Kalthoum, natural de Homs, prefere abordar a questão de modo oblíquo em Taste of Cement (segunda 27 às 18h30 e quinta 30 às 15h), vencedor da competição do festival suíço Visions du Réel. Acompanhando os dias e as noites de operários de construção civil, exilados que trabalham numa Beirute onde têm de recolher obrigatoriamente às sete da tarde, Kalthoum monta pacientemente um quebra-cabeças poético mas fascinante, que passa num instante da sinfonia industrial do estaleiro ao sonho aquático em gravidade zero, que equaciona num mesmo ciclo os movimentos de construção e destruição, quer se trate de um edifício ou de um país – e voltamos ao First Shot de Yan e Francioni: que tipo de memórias vamos ter do passado que está a ser destruído? É para isso que existe um festival como o Porto/Post/Doc. 

 


por Jorge Mourinha, in Público | 28 de novembro de 2017
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

Agenda
Ver mais eventos

Passatempos

Passatempo

Ganhe convites para a antestreia do filme "Memória"

Em parceria com a Films4You, oferecemos convites duplos para a antestreia do drama emocional protagonizado por Jessica Chastain, "MEMÓRIA", sobre uma assistente social cuja vida muda completamente após um reencontro inesperado com um antigo colega do secundário, revelando segredos do passado e novos caminhos para o futuro.

Visitas
93,858,248