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O Douro, o rio, as pessoas e sobretudo as casas

António Menéres, arquiteto-fotógrafo, mostra meio século de fotografias no Museu do Douro.

Quinta do Athaíde, Vila Flor (1980) Freixo de Espada-à-Cinta (s/d) Moledo de Penajóia (1978) Freixo de Espada-à-Cinta (s/d) A ajuda no trabalho, Vila Verdinho, Romeu (1963) Linha do Tua. Viaduto e túnel das Presas. (s/d) Dois rapazitos no intervalo de um jogo de futebol, Vila Verdinho, Romeu (1963)


Há muitas formas de fotografar o Douro e algumas delas estão já consagradas na história da fotografia. Pense-se em Emílio Biel (1838-1915), em Domingos Alvão (1872-1946), em Georges Dussaud (n. 1934), que inscreveram a região no panteão das paisagens mundiais de exceção.

A abordagem de António Menéres, arquiteto e fotógrafo, é de outra ordem — a ele interessa-lhe, primeiro que tudo, a arquitetura. Mas não esquece a paisagem, nem as pessoas que a habitam.

Museu do Douro, no Peso da Régua, apresenta atualmente, até 10 de dezembro, a exposição Percursos pela Arquitetura Popular no Douro. É uma seleção de seis dezenas de imagens captadas entre a década de 1950 e 2005 por António Menéres (n. Matosinhos, 1930), que é um dos raros sobreviventes da equipa de 18 arquitetos que na segunda metade dos anos 50 participaram no Inquérito à Arquitetura Regional Portuguesa — que viria marcar uma viragem na forma de pensar e de fazer arquitetura no país.

“O trabalho de campo era para ser feito durante três meses, mas acabou por se prolongar por mais de um ano”, recorda o arquiteto-fotógrafo a abrir a visita em que guiou o P2 à sua exposição. O percurso começa, de resto, com uma vitrina que não só documenta essa experiência do inquérito — onde integrou a equipa de Fernando Távora e Rui Pimentel, responsável pelo Minho —, mas a própria história pessoal de Menéres, ligado, por vínculos familiares, ao Douro e a Trás-os-Montes.

Ficámos então a saber que o seu interesse pela fotografia antecedeu mesmo a arquitetura. Em 1938, com apenas oito anos, aluno na escola primária da sua terra, venceu um concurso escolar com um desenho da Praça da Liberdade, na Baixa do Porto. O prémio valeu-lhe uma câmara Zeiss Ikon, que ainda hoje guarda — e é mostrada nessa vitrina ao lado do tal desenho ainda infantil e de outras câmaras.

“Foi o início do meu vício pela fotografia”, confessa Menéres, que depois comprou uma Leica 3M e mais tarde uma Pentax, com que começou a fotografar também a cores, e com as quais fez a sua “carreira” de fotógrafo, paralela à de arquiteto. “O bichinho da fotografia ficou até hoje e ando sempre com a máquina fotográfica, pelo sim e pelo não.”

A exposição do Museu do Douro, comissariada pelo arquiteto José Manuel Pedreirinho, subdivide-se em três capítulos: TerritórioArquiteturaPessoas. Abre com a imagem de uma barca no rio Douro, em Vale Coelho (1979). “Começámos por fazer uma aproximação ao território geral do Douro, depois fomos particularizando e incluindo a figura humana, que dá a escala para a arquitetura e o espaço”, explica o arquiteto, elogiando o guião que lhe foi proposto pelo curador e também pelo diretor do Museu do Douro, Fernando Seara. Se este vê nas fotografias de António Menéres “o olhar de um artista que vê para além do comum” — como escreve a abrir o catálogo —, o fotógrafo ressalva que o objeto do seu trabalho é, primeiro que tudo, a arquitetura. Mesmo se, “de vez em quando, há fotografias que saem bem”, graceja.

“A arquitetura popular portuguesa nesta região do Douro é normalmente construída em granito, xisto e madeira, e tem um rés-do-chão e um piso elevado, com o primeiro destinado à adega”, descreve o arquiteto. A casa-armazém fotografada em Foz Côa (1979) que faz a capa do catálogo é um bom exemplo do enquadramento deste tipo de arquitetura com a paisagem.

Além de registar, nas fotografias mais antigas, exemplos de uma arquitetura tradicional ainda persistente, o trabalho de Menéres testemunha também a sua evolução, e principalmente a descaracterização sofrida nos últimos anos, como se pode ver no largo da capela em Freixo de Espada à Cinta, com uma amálgama de materiais construtivos e estéticas a desfigurar o lugar.

Mas há ainda também vestígios de construções mais antigas, com marcas mesmo manuelinas, como uma casa no centro de Vila Real, que António Menéres quis incluir na exposição para chamar a atenção do ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes — que presidiu à inauguração da exposição, a 22 de setembro —–, para “a necessidade de preservar este património”.

O painel central da mostra é dedicado às populações da região. Aí está o retrato de família de Manuel “Maneta”, um trabalhador na quinta de Romeu, que a 16 de maio de 1954 recebeu uma casa na qualidade de “bom empregado da Casa Menéres”. “O meu tio-avô, homem muito rico, era também muito humano e conseguia arranjar verbas junto do Ministério das Obras Públicas através do programa das Aldeias Melhoradas”, recorda António Menéres.

Mas o momento forte desta sequência está na fotografia, a cores (sem data), A conversa sábia das mulheres idosas, que capta quatro habitantes de Freixo de Espada à Cinta em pose risonha para a objetiva do fotógrafo. “Elas estavam a contar histórias de quando eram meninas; e estavam felizes”, diz Menéres.


por Sérgio C. Andrade

Este artigo encontra-se publicado no P2, caderno de domingo do PÚBLICO 

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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