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Como o açúcar se transformou em arte nos séculos XV e XVI

As Ilhas do Ouro Branco, exposição que reúne perto de cem obras da época de prosperidade da cultura do açúcar na Madeira. 

Os restos de um tríptico atribuído a Jan Provoost e uma escultura em madeira atribuída à Oficina de Melines. Uma Cruz Processional portuguesa em prata dourada.


O início das comemorações dos 600 anos da descoberta da Madeira, que serão mais intensas em 2019, dá-se com a inauguração da nova exposição do Museu de Arte Antiga: As Ilhas do Ouro Branco – Encomenda Artística na Madeira Séculos XV-XVI. A exposição abre as portas na próxima quinta-feira. Centra-se na arte encomendada para a ilha a alguns dos maiores artistas da Flandres (Bruges, Malines, Antuérpia e Bruxelas) na altura e também a artistas portugueses, com algumas obras vindas da Índia. Tudo pago com o dinheiro da fértil cultura do açúcar – o “ouro branco” do nome da exposição. Ou, como se diz no título de uma das secções, A arte que o açúcar comprou.

Com os historiadores de arte Fernando António Baptista Pereira e Francisco Clode de Sousa como comissários, a exposição, apresentada numa visita guiada aos jornalistas pelos dois, esta terça-feira, quando ainda havia muitos pormenores por ultimar, reúne quase cem peças, entre retábulos, pinturas, esculturas, gravuras, livros, ourivesaria e outros objetos. É através deles que é primeiro contada a história da descoberta do arquipélago em 1418, quando Gonçalves Zarco e Vaz Teixeira desembarcaram no Porto Santo, um ano antes da chegada à ilha da Madeira. Logo na primeira sala da exposição, vários ecrãs à direita mostram a beleza natural da ilha. Em frente estão expostos um pão de açúcar cristalizado produzido nos anos 1990 em Marrocos, mas recorrendo a técnicas artesanais semelhantes às que eram usadas nos séculos XV e XVI na Madeira, e uma coleção de pratas.

Seguimos depois, acompanhando a povoação daquele território virgem, composta por portugueses e estrangeiros cujos apelidos ainda hoje se encontram na ilha, pela organização administrativa do arquipélago, que serviu de ensaio para a posterior expansão colonial de Portugal. E, finalmente, acompanhando o que perfaz o grosso da exposição: a própria arte, na sua maioria religiosa. Algumas das peças têm representados, ao lado de santos e no meio de episódios bíblicos, os doadores que as encomendaram.

Entre os nomes dos responsáveis pelas obras encontram-se Jan Provoost e Gérard David, de Bruges, Michiel Coxcie, de Bruxelas, Joos van Cleve e Pieter Coecke van Aelst, de Antuérpia, bem como Francisco Henriques ou o anónimo conhecido como “Mestre da Lourinhã”. A Van Aelst é atribuído o Tríptico de Santiago Menor e de S. Filipe, feito entre 1527 e 1531, que foi encontrado na antiga Igreja de Santiago Menor (hoje Igreja do Socorro) e está exposto na penúltima sala da exposição. Representa, além de S. Filipe e Santigo Menor, os doadores: Simão Gonçalves da Câmara e os seus filhos, bem como D. Isabel Silva e as suas filhas. É este retábulo fechado, com a Virgem Maria e o Arcanjo S. Gabriel, a imagem de marca da exposição.

Logo a seguir, na última sala, separada das outras, estão algumas das peças com mais impacto. Entre elas estão dois painéis que restam de um tríptico da Igreja Matriz da Calheta, atribuído a Provoost, separados por uma brecha que deixa ver, de um dos lados, uma escultura em madeira atribuída à oficina de Melines que junta peças da Sé do Funchal e da Igreja de S. Roque, na mesma cidade, e, do outro, uma imponente cruz processional portuguesa em prata dourada, vinda do Museu de Arte Sacra.

Para montar a exposição, diz Fernando António Baptista Pereira, “havia já todo um conjunto de estudos feitos”, referindo-se primeiro a um catálogo de arte flamenga, que fez com Luiza Clode, na altura diretora do Museu de Arte Sacra do Funchal, e aos trabalhos sobre ourivesaria e escultura do outro comissário, Francisco Clode, ressalvando também os nomes de historiadores que nos últimos anos têm vindo a estudar a arte na Madeira: Rita Rodrigues, Isabel Santa Clara e Alberto Vieira.

“No contexto da arte mundial, uma região tão pequena como a Madeira ter tido a capacidade de, ao longo de dois séculos, importar obras de arte relevantes e de as ter conservado até aos dias de hoje é um caso único”, diz o comissário. “Não temos só peças de arte portuguesa, mas também de origem flamenga.” As peças agora expostas no Museu de Arte Antiga “vieram dos museus e das próprias igrejas” – algumas obras mudaram de sítio quando os conventos foram extintos no século XIX –, bem como de coleções particulares. O comissário refere ainda o longo esforço logístico que envolveu o empréstimo de peças do Museu de Arte Antiga ao Museu de Arte Sacra do Funchal, de onde uma boa parte do espólio da exposição é originário, para compensar a lacuna deixada até que termine a exposição em Lisboa (acaba a 18 de março).

“Esta possibilidade de intercâmbios entre museus que estão situados em regiões mais periféricas e museus na cidade de Lisboa é uma das grandes vantagens da exposição”, acrescenta Fernando António Baptista Pereira. “É um caminho novo de colaboração. Espero que possa também vir a ser apresentada no estrangeiro. Era muito importante que a itinerância desta exposição pudesse tornar-se realidade.”


por Rodrigo Nogueira, in Público | 15 de novembro de 2017
Fotografias de Rui Gaudêncio
Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Jornal Público

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