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"Em Portugal, há uma romantização e glorificação do passado colonial"

Na estreia em nome individual em Portugal, Grada Kilomba apresenta-se em dose quádrupla. Quem é ela?

Grada Kilomba no MAAT onde está a exposição "Secrets to Tell" | Manuel de Almeida/ LUSA


O trabalho de Grada Kilomba tem "mais de 20 anos", diz a própria, mas só agora pode ser visto em Portugal. Em contrapartida, acontece em dose quádrupla. Abrem hoje ao público as exposições Secrets to Tell no MAAT - Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia e The Most Beautiful Language na Galeria Municipal Avenida da Índia. Sábado, fala-se de Práticas de Descolonização no Teatro Maria Matos, e na sexta-feira, dia 3, no Hangar - Centro de Investigação Artística.

Por que razão demorou tanto tempo a apresentar-se? A invisibilidade dos temas que trabalha - o discurso colonial e pós-colonial - e as suas pessoas é, em si, uma explicação. "Em Portugal, temos uma relação quase obsessiva com o passado, [há] uma romantização e glorificação do passado colonial, portanto toda a abordagem da historia e da realidade pós-colonial que tenha um visão crítica e transformativa é quase impossível de se manifestar aqui e é uma das razões por que alguns artistas e intelectuais são muito conhecidos no estrangeiro, mas o trabalho não chega aqui", afirma Grada Kilomba, numa pausa da montagem da exposição na galeria municipal da Avenida Índia, Belém.

Tudo à sua volta confirma essa "reencenação do passado". Foi aqui a Exposição do Mundo Português, em 1940, é aqui a Praça do Império, do outro lado da linha do comboio está o Padrão dos Descobrimentos.

Grada Kilomba (Lisboa, 1968) defende que "o público precisa e está pronto para ver e estar em diálogo com estes temas e artistas e às vezes há um receio. Há uma tradição colonial, patriarcal muito difícil de largar". "Não é por acaso que estamos a criar estas exposições, porque são novos jornalistas e novos curadores e novas produtoras que nunca estiveram nestes espaços e que querem ver uma outra agenda, mas até há pouco tempo estes espaços tinham curadoria de velhos dinossáurios com uma agenda que já não é atual. Que romantiza e glorifica o passado."

No edifício principal do MAAT, Secrets to Tell é o conjunto que inaugura a sala de projeto. Primeiro, uma pilha circular de terra, rodeada de velas, com montículos de açúcar e café, produtos cujo comércio "contribui para a modernidade, o começo da globalização"e dos quais não se pode falar sem a diáspora africana. Atrás de Grada Kilomba, passam imagens de uma das conversas que manteve com artistas com estatuto de refugiados no teatro berlinense Maxim Gorki, outras das manifestações do seu trabalho.

"A Grada não é uma criadora de objetos, transita entre várias linguagens - vídeo, instalações, performances encenadas", explica a curadora do MAAT Inês Grosso, que tinha visto o trabalho de Grada Kilomba na Bienal de Arte de São Paulo, onde foi apresentada pela primeira vez Projeto Desejo, outra das instalações que podem ser vistas no museu. Um tríptico de ecrãs, música e frases. Por exemplo: "Eu não sou discriminada por ser diferente. Eu sou diferente por ser discriminada".

"Eu quis perverter as práticas artísticas, fazer vídeo sem imagens e sem texto, a música [composta por Moses Leo] é o elemento de narração", explica a artista, palavra pela qual gosta de ser descrita (e que soma a mais de uma década como professora na Universidade Humboldt, em Berlim.

Nas galerias municipais, o texto Plantation Memories - Episodes of Everyday Racism, de 2008, atravessa toda a exposição, começando em Printed Room (2017), uma sala repleta de páginas do livro com anotações que foram enviadas pelos leitores a Grada Kilomba. A artista chama-lhe "uma terceira narrativa", sucessora deste livro que relata episódios quotidianos de racismo e da performance encenada que também está nesta exposição.

A partir das frases que lhe foram ditas por várias mulheres e selecionadas pelos atores com quem trabalhou em Printed Room,Grada Kilomba criou o poema Chorus, que se justapõe a The Dictionary, um percurso pelos vários significados, em vários dicionários, das palavras negação, culpa, vergonha, reconhecimento e reparação deste processo que estuda desde o doutoramento na Universidade Humboldt em que cruzou várias disciplinas - estudos pós-coloniais, de género, psicanálise, teatro, performance.

Como se interessou por estes temas? "Quando tu és uma mulher negra não tens o privilégio da dupla ignorância - não saber e não precisar de saber", o tema da instalação Illusions, 35 minutos de vídeo dentro de um cubo branco ("que se apresenta como ausente, mas não é"). A obra revê a história de Narciso e Eco, aquele que não sabe e aquele que não quer saber, "uma parábola pós-colonial", segundo a artista. Sobre como a branquitude é apresentada como sinónimo de ser humano, como algo natural. "A dupla ignorância é isso, não sabemos porque também não precisamos de saber. Isso é um privilégio que as pessoas das margens, seja pela diáspora, pelo género, pela sexualidade, não podem ter. Tens que saber."


por Lina Santos, in Diário de Notícias | 27 de outubro de 2017

Notícia no âmbito da parceria Centro Nacional de Cultura | Diário de Notícias

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